9.1.08

I'm sorry, Brasil

JAIRO FERREIRA

O espectador que assiste a um filme como “Bye Bye Brasil” não sabe que o lançamento é acompanhado de um precioso folheto, só distribuído à imprensa. Nesse folheto não está somente toda a informação necessária à promoção do filme, mas também textos críticos que condicionam a todos. Assim, nem seria preciso fazer a crítica do filme, pois quem discordar das coordenadas do folheto correrá o risco de todas as pichações. É esse risco que quero assumir e começo por analisar a grande frase de Carlos Diegues sobre seu filme:

“ ‘Bye Bye Brasil’ é um filme sobre um país que começa a acabar, para dar lugar a um outro que acaba de começar”. Belo trocadilho. Passaria por “dialético”, se eu não conhecesse todos os textos de Jean-Luc Godard. Que Brasil é esse que começa a acabar? O dos últimos 15 anos, esse tremendo cliché?

O filme se passa no Nordeste, Norte e Centro do Brasil. Mas o Brasil todo não cabe em três regiões: o Brasil está em São Paulo, onde há nordestinos, nortistas, centristas, sulistas. O Brasil todo só coube num único filme, “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla. porque a ação é passada em São Paulo, com todas as regiões sintetizadas na maior concentração industrial ou não do Pais. Mas “Bye Bye” também não é um filme sobre o que começa a acabar naquelas regiões. Se entendi bem, o que começa a acabar é o pessimismo e o que acaba de começar é o otimismo. Carlos Diegues será o Frank Capra brasileiro?

Todos gostariam de ter esperança no Brasil dos anos 80, mas como isso pode acontecer se, para citar um exemplo cinematográfico, os operários de um filme de Candeias tomam leite em cofrinho da poupança (quando tomam)? Diegues força a barra dessa esperança: seus personagens se arrumam na vida. Se adaptam ao sistema. “Bye Bye” me parece um filme institucional.

Cinematograficamente, o que começa a acabar é uma mentalidade do Cinema Novo, no momento em que acaba de começar o experimental. Toma-se cada vez mais difícil explicar Isso pois o Cinema Novo começou a acabar em 67 e o experimental nasceu ai Diegues não quis acabar junto com o Cinema Novo ("tenho vontade de vomitar quando falam em Cinema Novo" declarou há muitos anos). Mas entre 67 e 79 não houve discussão, debate ou critica livre: estamos começando a discutir agora, em 80. o que não foi discutido nos últimos 13 anos. Então é preciso ir devagar com o andor não quero superestimar nem subestimar “Bye Bye Brasil”. Quero apenas dizer “I’m sorry. Brasil”.

Em “Chuvas de Verão”, filme anterior de Diegues, a ação se passa em terreno emocional, areia movediça em que as coisas se tornam mais refratárias. Seria bom se, após “Bye Bye Brasil”, o cineasta desse um novo tempo para voltar com a carga toda e fazer, finalmente, um grande filme. Pois está difícil engolir a índia de “Bye Bye”, ouvindo radinho de pilha (já vi isso em “Os Pastores da Desordem”, filme grego de Nikos Papatakis, feito em 67, onde um pastor de ovelhas não descola a orelha de um rádio portátil).

Não estou sendo irônico nem maldoso: estou sendo crítico. O filme de Diegues exibe uma má consciência do Brasil. Não sei se pior ou melhor do que aquela de Arnaldo Jabor em “Tudo Bem” (1978). tentando colocar o Brasil todo dentro de um apartamento! Turismo pretensioso é tão nocivo quanto sínteses parciais e equivocas que se tomam por abrangentes. De resto, não engulo a frase final de “Bye Bye”: “Ao povo brasileiro do século 21”.

Falar em “povo brasileiro” é uma temeridade: o próprio Diegues promoveu uma sessão desse filme em São Bernardo, “para operários”, mas no debate um representante dos metalúrgicos levantou-se para dizer que lamentava a ausência de operários na sala. Ato continuo, levantou-se um metalúrgico e disse. “Mas eu sou operário”. De fato, era: antes um que nenhum. Quer dizer, o cinema poderá um dia atingir a massa, mas hoje só atinge a uma elite (a arte é elitista por natureza, pois é coisa de especialista).

(Folha de São Paulo, 22 de fevereiro de 1980)