10.6.07

DÉCIO SARRAFO NOS FILMES

João Miraluar

A crítica dá subsídios, cobertura & distanciamento à criação, enquanto aquela só começa a ser criativa depois de passar pelo processo inverso. Ou seja, mau crítico, mau cineasta. Se isso não chega a ser regra, não há também exceções. O texto fílmico, de Eisenstein a Godard, sempre manteve o nível de equivalência, um fio da navalha que distingue quantidades, mas não separa qualidades.

Aparentemente, trata-se de individualismo, quando é implosão, ou megalomania, quando é integração em mosaicos. É a esse papo, sem o velho conceitualismo, que o pessoal torce hoje o nariz, no cagaço de colocar o novo incerto no lugar do velho certo & torto. Opção que poucos fizeram e que ninguém está radicalizando tanto como Dedo Pignatari. Meta vanguarda. A poesia, afinal, sempre foi concreta.

Ao contrário dos Irmãos Campos, Décio navega estruturalmente em todos os níveis/veículos. O horizonte do Poeta/Metacrítico/Metapoeta não se fixa nos limites manjados. A acusação do momento é de que ele é ultra-elaborado,neo-racionalista etc., o que soa tão falso quanto a outra velha acusação (diziam que a Poesia Concreta limitava a imaginação dentro de esquemas matemáticos, esquecendo que a linguagem tem uma grande ligação com a matemática). Ninguém lembrou que o Décio não pode ter sequer seguidores, pois não facilita diluições e, em conseqüência, o seu campo basicamente incentiva novas invenções.

Há que se dizer, no caso, que Décio fez uma tese sobre aspectos históricos do cinema brasileiro, bebendo inclusive na fonte do Paulo Emílio Salles Gomes, dado que o Poeta estava fazendo uma tese à USP-CINEMA. O reconhecimento ao professor, Décio deixou numa nota realmente comovente: "guardarei para sempre na memória a brilhante e comovente argüição-intervenção que fez, na qualidade de membro integrante da banca examinadora" (1).

Os subsídios, a abrangência, os horizontes novos (na medida do possível) em que Décio esta envolvido atualmente parecem e estão mesmo além das condições críticas e/ou criativas de mais do que alguns poucos. Tal nível de pensamento - apenas em se falando de comunicações – deixa ver bem como estamos subdesenvolvidos no setor.

Mas vamos fazer também a nossa pichação ao Décio. Pichação que, assinada e tudo, poderá levar, pelo menos, a uma aproximação, dada a involuntária solitude do homem e à nossa própria sede que talvez seja mais canina.

Em duas destas paginículas, poderíamos sintetizar uma evolução histórica do cinema nacional, bem mais ampla do que o material que serviu ao Décio em sua tese. O que ele teve ao alcance/interesse foram apenas recortes ao léu, até mesmo de caras desinteressantes como B.J.Duarte, mas também estilhaços de Sganzerla, jornalecos udigrudis, Mazzaropi, Massaini, depoimentos mínimos que denotam uma lacuna advinda de poucos contatos mais quentes com o cotidiano do cinema nacional.
A observar ainda: quanto à evolução dos movimentos, o capítulo pula rapidamente, como gato sobre brasa, direto do Cinema Novo para o movimento carioca do chamado grupo superoito. Sganzerla e Bressane, dois ruptores gerais, ficam como eminências pardas do superoito, que tinha em Torquato Neto um curtidor e incentivador.

Se o Rio tem Ivan Cardoso, São Paulo tem ao menos Otoniel Santos Perreira. O movimento paulista da Boca do Lixo (35/mm), que foi o grosso dessa finura (8/mm), sequer é citado por Décio, por mera desinformação. Coisas da aldeia e da implosão, pois nós também não vimos os filmes do Ivan e nem do Otoniel.

Sabendo das limitações da tese, o que se pode aguardar é um cara-a-cara de Décio com o metacinema brasileiro. O que lhe falta é saborear os biscoitos finos do Tonacci, Candeias, Trevisan, Egbert, Calasso Jr., Reichenbach, Callegaro & outros. Pois o melhor da tese está nos rodapés: "Com OS HERDEIROS de Cacá Diegues,o PSD já tem o seu Visconti", p.ex.

Nota:
(1) A tese foi publicada no último livro de Décio Pignatari: SEMIÓTICA E LITERATURA, nº 93 da coleção debates (Editora Perspectiva, 1974).