12.7.07

Roberto Santos e o amor contra o pornô


JAIRO FERREIRA

Lançar uma pornochanchada, degradação de um tipo de cinema que trata a mulher como simples objeto, é fácil (há algumas de produção recente e já em cartaz); difícil é lançar "um filme de amor", como Roberto Santos define seu "Os Amantes da Chuva", que ele realizou há quase dois anos e só anteontem foi informado pela distribuidora Embrafilme da tão esperada data de lançamento – será no próximo dia 25. Por Isso o cineasta convocou a Imprensa para um primeiro encontro, convicto de que "há muito a dizer num momento como este em que tudo está devagar no cinema brasileiro".

"Meu filme Os Amantes da Chuva é um filme sem mulher nua: é um filme de amor. Eu pergunto: vocês querem mulher nua na tela ou na cama? Meu filme não tem mulher nua na tela nem na cama. Isso não me interessa: eu falo de amor e não quero saber de outra coisa senão de amor. A pornochanchada pode ter as suas razões, mas eu tenho as minhas, nós temos as nossas. Tenho direito de exibir meu filme, como a pornochanchada também tem os seus direitos. Faço filmes como sei; se fosse fazer uma pornochanchada me daria mal. Pornô hoje não ê um adjetivo; é um grande substantivo no cinema brasileiro."

Realizador de alguns dos melhores filmes do cinema brasileiro ("O Grande Momento"/58, "A Hora e a Vez de Augusto Matraga"/66, "As Cariocas"/66), Roberto Santos está realizando atualmente um curta-metragem, "Chick Fowle", sobre o veterano fotógrafo-lluminador, nos estúdios da Lynx Filmes. Sob o impacto da noticia do lançamento de "Os Amantes da Chuva", ele interrompeu as filmagens de "Chick Fowle" e recebeu rapidamente o repórter para manifestar a sua indignação diante de tanta mediocridade que está na praça:

"Os Amantes da Chuva é simplesmente um filme de amor e respeito. Pode atá ser velho, mas isso não me incomoda: até hoje "O Grande Momento" é um filme novo. O cinema brasileiro tem que ser como um grande leque, um arco-íris que abrange tudo. No momento há uma grande expectativa entre os próprios cineastas: todos estão querendo ver os filmes dos outros. Eu quero saber o que Rogério Sganzerla está fllrriíjivlo, ele quer saber o que eu estou fazendo e vai por aí afora."

Positivamente, o cinema brasileiro é sempre imprevisível. Roberto Santo» tem suficiente autocrítica (coisa que falta à maioria) para reconhecer que "Os Amantes da Chuva" talvez seja um filme "velho". O cineasta, um dos maiores batalhadores do cinema nacional, teve a coragem de convocar a imprensa para falar de "amor", num momento em que outros não conseguem se libertar dos estereótipos e clichés. Tomo então a liberdade de não concordar com o entrevistado quando diz que seu filme talvez seja velho, pois amor é invenção, é a coisa sempre nova. Por aí se percebe uma quase obsessão do cineasta pela coisa nova, seja amor ou liberdade:

"Eu acho que a liberdade deve vir de baixo para cima, não de fora para dentro mas de dentro para fora: é você soltar, liberar, o que tem dentro do coração. Por isso eu filmo do jeito que dá. Acho que quem não souber usar essa liberdade estará mal. É preciso deixar nascer o que deve nascer. E então é preciso ver tudo que está por ai: Super 8, 16, filmes escondidos, grandes espetáculos, filmes que estão nas prateleiras, experimentais e principalmente as velhas chanchadas."

"Estou muito interessado em verificar os documentários brasileiros onde os homens não sabem falar direito e me preocupo multo com a paródia, coisa vinda da chanchada, porque é daí que vem uma abordagem para quem gosta de representação. Então é preciso abrir isso e ver sem preconceito, porque o cineasta brasileiro ainda sofre de preconceito. Esse foi o pior registro do Cinema Novo, que queria ver tudo de uma forma Igual. Acho que chegou o momento de quebrar com isso e se abrir para verificar como estão surgindo novos grandes cineastas."

(Folha de S. Paulo, 14 de agosto de 1980)