20.4.07

Homenagem a Billy Wilder em comédia de Reichenbach

JAIRO FERREIRA

A crítica, com raras e confusas exceções, malhou "A Ilha dos Prazeres Proibidos", de Carlos Reichenbach, lançado no início do ano, mas isso não influiu absolutamente nada na carreira comercial do filme, que já rendeu quase seis milhões de cruzeiros em menos de dois meses de exibição, isto é, já pagou quase cinco vezes o que custou. Ficará circulando pelo Brasil mais 4 e oito meses, tempo que dura o certificado de Censura, enriquecendo o produtor Antonio Polo Galante que, agora, quer contratar o ex-cineasta "maldito" de "Lilian M - Confissões Amorosas" (1974) para novas investidas no gênero. Como se explica o fenômeno?

O público consumidor está condicionado a um determinado repertório em circulação, que inclui mil variações em tomo de violência e mulheres de pouca roupa. Reichenbach introduziu, sutilmente, dados poéticos, políticos e policiais nesse repertório e o resultado poucos entenderam (o bode expiatório é o mau som das salas de cinema) e muitos consumiram (também sem entender?). Cinema de sugestão e digestão. "A Ilha dos Prazeres" (agora em cartaz nos bairros e no interior) é ao mesmo tempo um manifesto libertário e uma crônica do exílio, voluntário ou não, ambientado nas fronteiras brasileiras (incluindo a invenção de uma geografia inquietante) do cinema comercial e pessoal.

Carlos Reichenbach vinha tentando, há muito tempo, derrubar o preconceito de que filme comercial não pode ser pessoal e vice-versa. Conseguiu isso com "A Ilha", lançado por enquanto em São Paulo e ao mesmo tempo com o anterior, "Sede de Amar" ("Capuzes Negros"), já exibido no Rio, onde também semeou confusão entre os críticos, enquanto o grande público consumia Sandra Brea em filas quilométricas.



O cineasta afirma que "Sede de Amar" (a partir de segunda-feira num circuito encabeçado pelo cine Metro) não tem nada a ver com "A Ilha", mas os espectadores interessados em descobrir o que está por trás das aparências logo perceberão que um é o duplo do outro, o reverso da medalha. 0 ponto comum entre ambos é o estilo direcional, o talento, a forma, a narrativa. Esses elementos definem e decidem se o filme é pessoal ou não. O depoimento do cineasta sobre "Sede de Amar", por sua vez é uma continuação ou um prolongamento de seu manifesto "Anarquia Poética contra o Cinemão" ("Folha", 12.1.79).

– Topei fazer "Sede de Amar ("Capuzes Negros") porque gostei da narrativa do roteiro de Mauro Chaves. Me propiciava usar da linearidade pretendida pelo autor a dar vazão aos meus anseios meta cinematográficos. Como nos meus filmes anteriores, gosto de burilar o repertório do cinema digestivo para tentar o espetáculo que se aulo-analisa. Sempre fiz filmes sobre cinema (com exceção de "Audácia") sem falar de cinema. Por isso os gêneros são diversos e até opostos: "Alice" (episódio de "As Libertinas"/1968), o obsceno revisitado com os excessos de Mojica Marins, as panorâmicas de Primo Carbonari e o "voyerismo" de um Max Pecas; "Corrida em Busca do Amor" (1971), a ótica de Bakunin e Netchaiev revisitando Sandra Dee, Bobby Darin, Frankie Avalon e Annette Funicello, a Turma da Praia, da American International; "Lilian M", a subversão do espetáculo, o meta-cinema dentro do meta-filme.

– "A Ilha dos Prazeres Proibidos" foi realizado posteriormente a "Sede de Amar" e é a retomada dos meta-filmes. Clichês filmados à luz da ironia. Biscoitos finos para serem degustados após a projeção. Parti do péssimo para chegar ao ótimo. Um filme com muitas sugestões, muito humor, ironia e sensibilidade. Inteligente sem ser incômodo. Político sem ser didático. O poeta e montador Inácio Araújo disse bem: "Ser radical hoje é ser pejorativo".

– Em "Capuzes Negros" revi o Billy Wilder de "Se Meu Apartamento Falasse" e, pela primeira vez, fiz um filme sem escrever uma só linha. Mesmo as idéias com que procurei enriquecer o filme, fui solicitar ao autor da história original (os comerciais picaretas da construtora, algumas "gags" da festa). Apesar de não ter havido interferência no meu trabalho de realizador, o filme é muito mais Mauro Chaves do que eu. Contudo, tem a leveza cínica que pretendi, quando aceitei a incumbência de filmá-lo. Fui procurar a comicidade sóbria no humor sisudo do paulista classe-média. E a graça maior fica por conta do paletó e gravata, dos sonhos de ascensão social, das fantasias eróticas de um subalterno.

– A cidade de São Paulo é vista só no fim do filme. E foi aí que fiz questão de incluir um caminhão de bóias-frias atravessando o enquadramento. Um colírio de realidade num show de personagens "elegantes" e de sutilezas variadas.

– Fiz questão de não fazer concessões nas cenas de amor, mesmo não tendo condições materiais de filmá-las como queria. Detesto os lençóis repressores, os enquadramentos digestivos e o recato moralista que ataca a maior parte de nossos melhores cineastas nativos. Se o roteiro pedia para mostrar os seios da atriz, exacerbei filmando a um palmo de distância com a macro objetiva. O curioso é que o resultado ficou a um quilômetro da pornografia ou do erotismo. A nudez estava de tal forma incorporada na trama que não havia motivos nenhum para mascará-la. Ao contrário, me senti estimulado a filmá-la da maneira mais íntima.



– Creio ter conseguido quase 80% do que Mauro Chaves esperava de seu roteiro. Isso porque não foi fácil fugir às tentações do cinema de autor. E mesmo a pequena parcela de subsídios que forneci ao filme está de acordo com o que há de melhor na obra do premiado teatrólogo: a utilização da ironia na reflexão sobre os anseios da burguesia paulista, o cinismo como veículo para satirizar o provincianismo de nossos industriais da miséria. Em suma: Oswald de Andrade revisitado por Abílio Pereira de Almeida.

Carlos Reichenbach é um cineasta que se preocupa mais com a criatividade do que com o mercado e, em termos do momento, mais com a questão da sucessão presidencial na Embrafilme do que com o sucesso propriamente dito:

– Assinei o manifesto da APACl (Associação Paulista de Cineastas) porque não entendo como a secção de São Paulo da Embrafilme não possa ter autonomia de decisões.

No entanto, gostaria de ver Gustavo Dahl à testa do órgão, porque além de inteligente e atualizado demonstrou, na sua experiência em distribuição, ser um administrador dinâmico e imparcial. Gustavo é antes de mais nada um homem de cinema independente, capaz de criar uma nova dinâmica, um novo clima ao nível da criatividade, o que vem fazendo falta há muito tempo no cinema brasileiro. Por isso reafirmo: o único óbice ao manifesto da APACl é não querer indicar nomes, limitando-se em propor um programa óbvio e que já deveria estar em prática desde a própria criação da Embrafilme.

(Folha de S. Paulo, 3 de março de 1979)

2 Comments:

At 21:32, Anonymous Anônimo said...

Oi Juliano, parabéns pelo blog, sempre excelente. Legal o texto falando sobre o Carlão e Billy Wilder e mesmo sobre o Mojica. Juliano qual é teu e-mail cara ? Abraço, Matheus.

 
At 00:29, Anonymous Anônimo said...

opa, valeu!
anota aí: julianotosi@uol.com.br
essa semana devo publicar outro texto sobre o carlão.
abr,

 

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