13.5.07

Otoniel, o pedestre

Reapresentado no último Festival do Foto Cine Clube Bandeirantes, O Pedestre, curta-metragem do jornalista Otoniel Santos Pereira, confirmou-se como uma das mais avançadas experiências em 16mm, e talvez o melhor filme paulista na bitola dos últimos anos. Inspirando-se (no bom sentido) num conto de Ray

Bradbury, escritor aliás muito cinematográfico, Otoniel realizou um filme com os pés nas ruas de São Paulo, uma cultura de cinema moderna e jornalística, além do talentoso fotógrafo Andréa Tonacci e a colaboração de Rogério Sganzerla na montagem. O filme se inicia sonoramente com Eve of Destruction, de Bary McGuire e, visualmente, com a "leitura" godardiana da notícia no luminoso de um jornal. A objetividade é completa. A ação é ambientada além do ano 2000, e a grande tela anuncia que ninguém poderá sair à rua. Mas Otoniel toma a iniciativa. A câmera anda com ele, que tem uma laje sobre os pés e outra sob a cabeça, num travelling mais wellesiano do que imaginaria o diretor de "O Processo". Jáentre os títulos, quando aparece o liquidificador, Otoniel mostra o caráter mecanizado de uma sociedade industrial de consumo, depois denunciada godardianamente pelas panorâmicas dos anúncios de refrigerantes. Os passeios de Otoniel pela cidade deserta, a inquietude e senso de perscrutação que envolve o personagem, são elementos que encontraram uma linguagem adequada na câmera tremida de Tonacci, já admitindo que a direção pautou-se por uma liberdade total. O carrinho da Vemag foi um grande achado, inteligentemente utilizado pelo cineasta. Despojada, moderna, a cena da detenção do personagem circunscrito por panorâmicas demonstra a visão que Otoniel tem da linguagem cinematográfica. Outro achado foi colocar o Hino Nacional na cena final, quando a câmera passeia com Hawks, às vezes dando até a impressão de ter antecipado Fahrenheit ou Alphaville. O filme é andado do começo ao fim. O Hino em ritmo lento de plano dá uma conotação estrutural dentro da realidade do país, abrindo-se para dezenas de idéias a serem discutidas. Em suma: O Pedestre é um exemplo do que deve ser o filme de 16 mm, uma forma viável de se abrir para o profissionalismo, mas com a seriedade e despretensão que, infelizmente, é o que falta a a tantos que estão mexendo com a bitola. Otoniel Santos Pereira é um jovem cineasta pronto para dirigir o seu longa-metragem, that's all folks...

NA FOTO: Cena de Angélica, episódio de Antonio Lima em As Libertinas, que teve assistência de direção a cargo de Otoniel Santos Pereira, realizador do ótimo O Pedestre, acima comentado.

JAIRO FERREIRA

(São Paulo Shimbun, sem data conhecida)