Biáfora e eu
O blogue não um veículo pessoal; é, antes, um espaço para compartilhar o material que recebi e coletei do Jairo. É, também, uma tentativa de dar alguma ordem ao caos.
Em todo caso, vou utilizar este espaço pra responder aos comentários do Matheus Trunk (da revista Zingu), pesquisador sério e obsessivo da Boca do Lixo, no blogue Cinéfilos do Terceiro Mundo. Matheus se referia ao meu artigo publicado na Paisà (número 6, dezembro de 2006) a respeito do lançamento da coletânea de artigos do crítico Rubem Biáfora. Artigo e comentários podem ser lidos em http://cineterceiromundo.zip.net/, na data de 15 de fevereiro.
A primeira coisa que tenho a dizer é: não confundir o poeta com a poesia. Nada tenho contra o Biáfora; minhas restrições iniciais não são pequenas, mas referem-se a seus textos.
Sim, ele tinha opiniões bastante fortes. Ponto. Sim, ao ler um artigo seu, sabemos razoavelmente de que lugar nos fala o crítico. Ponto. Mas me parece que a força de que falo vem antes de uma veemência do que de uma boa argumentação, por exemplo. Pouco me importa que sua escrita, digamos, tivesse uma sintaxe incomum – o que em muitos casos está mais para a virtude. O que me incomoda e me parece evidente, é que, o Biáfora se expressava muito mal. Quero dizer: à força de abarcar coisas demais, por exemplo, com freqüência ele se perdia num terreno de quase ininteligibilidade.
Quando digo que Biáfora podia ser de "uma obtusidade espantosa" em nada isto tem a ver com o fato de que seu gosto estético não me é dos mais próximos (não sou grande admirador do Khoury, por exemplo). A impressão que seus textos me passam é que ele tinha uma idéia razoavelmente fixa e conservadora (até caduco mesmo) sobre cinema, e os filmes seriam melhores ou piores quanto mais próximos ou distantes estivessem desse projeto. Daí a noção de obtusidade: uma certa cegueira para com outros projetos estéticos (e nisto ele é parecido com muitos críticos de hoje em dia, como falei). O que não era algo 100% certo; aliás, seus melhores momentos são quando esse "modelo helênico" (ele defende um filme grego com mais ou menos estas palavras) lhe escapa das mãos.
Por estes motivos me é fácil dar maior relevo ao seu trabalho; ao mesmo tempo, tenho muito mais prazer lendo vários outros críticos de sua época. O mais curioso de tudo é que, ainda hoje, o Biáfora ainda possa provocar opiniões tão diversas. O Sérgio Alpendre, editor da revista, tinha um pé atrás com o artigo. Já com o Inácio Araujo tive uma conversa bastante longa sobre o texto: em linhas gerais, ele corroborava minhas idéias. Digo isso não para usar um critério de autoridade do Inácio; antes para demonstrar que não me parece um absurdo o que escrevi.
Eu acho um tanto curioso, também, que você, que é ligado ao cinema popular da Boca, possa admirar tanto as críticas do Biáfora – que nunca foi um grande defensor, por exemplo, do cinema de um Galante. Tampouco imagino ele tecendo maiores elogios a um filme do David Cardoso como Dezenove Mulheres e um Homem. Releia a crítica de O Olho Mágico do Amor. Você diz que ele era autêntico, grande defensor do cinema paulistano, etc. – o que estou longe de discordar. Mas me parece muito pouco (lugar comum mesmo) para definir qualquer crítico, não? A idéia de uma "coragem de ser", no entanto, me parece forçada: ser algo é sinal de coragem? Ser contra o cinema novo o Moniz Vianna, também era, por exemplo. É nesta tecla (e somente nela) que o livro bate, e nisso ele é tão insuficiente quanto a seleção dos artigos. Nesse sentido, é um trabalho anti-Biáfora: não só porque dá uma idéia mínima do que foi seu trabalho como, ao mesmo tempo, renega sua proposta (que o Motta levava ao pé da letra) de pesquisar e compilar tudo sobre cinema.
Se comentei o filme O Quarto, foi talvez para relativizar as coisas. Não me interessa transformar o Biáfora numa pedra (o que, pela sua suposta teimosia, muita gente dizia).
Dizer que o Maurício Gomes Leite e Antônio Lima são críticos mineiros é meio estranho, não? O Antônio Lima, diz a lenda, foi quem cunhou a expressão Cinema Boca do Lixo pela primeira vez. E a coleção não se restringe ao cinema paulista: há livros sobre cariocas, mineiros, gaúchos, etc.
Quando escrevo que alguns textos são curiosos... enfim, por vezes eles tinham algo (involuntariamente?) engraçado, não? No mínimo, eles são muito mais agradáveis de serem lidos do que, entre outros, os artigos sobre o Saura.
2 Comments:
só para esclarecer: eu tinha um pé atrás justamente porque achava que o texto começava de um jeito muito forte, já se colocando em posição de briga. depois, ao perceber que a seleção do livro privilegiava o pior do biáfora, ou quase isso, acabei concordando. curioso que um amigo meu, e ex-editor da revista, que gostava de alguns textos do Biáfora, leu o livro e achou todos os textos muito ruins, salvo raras exceções. mas será que é isso mesmo? será que tem um biáfora que seja muito diferente do que o que está no livro?
sérgio,
quem gosta do biáfora pode achar que o artigo é bem forte. pode ser. mas eu não escrevi nada que fosse pra comprar briga.
eu só disse o que me pareceu evidente ao ler o livro: ele se expressave muito mal e tinha um certo conservadorismo que às vezes o fazia parecer um ignorante.
não é uma opinião exclusivamente minha, como se vê. por isso eu disse que você tinha um pé atrás (e não os dois).
essa polêmica toda me parece bem estranha, aliás...
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