18.7.07

Porno-aventura com o 007 do Mato Grosso

O press-release com o enredo de 19 Mulheres e 1 Homem (em cartaz nos cines Marabá, Bristol e circuito) já garantia que "a grande e emocionante aventura nunca é previamente planejada; ela acontece no inesperado, por um capricho às vezes irônico e cruel do destino". Dito e feito. Era difícil acreditar que isso aconteceria com David Cardoso, mas aconteceu: o filme desafia os elitistas, violentando a tradicional escala de valores. Para julgá-lo, é preciso recorrer a uma "escala de falta de valores". Sua mensagem persuasiva é tão densa que é preciso buscar explicações, inclusive, num bom livro de Umberto Eco: "A Estrutura Ausente".

Credenciais não faltavam: o roteirista é Ody Fraga, o mesmo do excelente "Excitação", de Jean Garrett e, no elenco, está Ozualdo Candeias, um monumento de criatividade. A trama gira em torno de 19 universitárias que pretendem fazer uma excursão ao Paraguai, mas a equipe preferiu montar o quartel general da produção nos pantanais do Mato Grosso. Foi aí que Ozualdo Candeias realizou uma obra prima da avacalhação, Caçada Sangrenta (1972) e, David Cardoso, por sua vez, sempre teve afinidades com a região, onde praticamente nasceu. Porque não fazer então uma aventura em família, quando todos teriam que passar mais de um mês longe de São Paulo? David não teve dúvidas: para atenuar a malícia das 19 mulheres-título, o bem sucedido empresário coloca seus filhos James e Júnior em cena, dando-lhes uma grande oportunidade cinematográfica. Na posteridade, eles agradecerão ao pai: "Fomos os filhos do James Bond dos pantanais de Mato Grosso". Só não se entende uma coisa: qual a funcionalidade dos gracejos de dois meninos num filme proibido para menores de 18 anos?



A pornochanchada já não é usada em sua fórmula inicial. A fase agora é propícia às derivações: Vítimas do Prazer é porno-terror, Excitação é porno-suspense. E 19 Mulheres é porno-aventura. Universitárias contra fugitivos da casa de detenção. David é o motorista de um ônibus que conduz as jovens, quando o veículo é seqüestrado pelos marginais. O ônibus encalha nos pântanos e todos têm que seguir a pé, mas sem mais nem menos já estão de barco, usando tratores, carros de quatro portas etc. E como há cobras pelo caminho! São tantas que nem Freud explica, mas uma inteligente universitária consegue dar a chave em certa cena: "Nós somos apenas mulheres e, eles, são apenas homens". Diálogos brilhantes, como esse, mantém o público atento. Aliás, as universitárias de David Cardoso são exemplares: não protestam contra nada e adoram cantar a música de Don e Ravel que fala das "praias do Brasil enluaradas". Afinal, elas são "apenas" mulheres.

Eroticamente exuberante, o filme se impõe como peça antológica numa escala de não-valores, justamente por sua "estrutura ausente", o que Umberto Eco explica muito bem: a mensagem está no "happy end". O agente 007 derrotou a gigantesca sucuri, símbolo fálico que opera em proporção ao número de mulheres do filme, e agora só lhe resta levantar vôo com a sua escolhida e os dois meninos num teco-teco providencial. E não há dúvida que David Cardoso assume tudo o que faz, já que seria arriscado tentar um distanciamento crítico.
Isso é ótimo e desnorteia totalmente o público: na Bolsa de Cinema desta Folha, as proporções de ótimo e mau foram iguais (25%), de onde se conclui que o filme exige realmente novos critérios de apreciação ou de depreciação. Como queiram.

Jairo Ferreira

(Folha de S. Paulo, 18 de junho de 1977)

15.7.07

Pornochanchada: A autocrítica de seu profeta

Quando realizou "Adultério a Brasileira", em 1969, acumulando as funções de roteirista, produtor e diretor, Pedro Carlos Rovai não imaginava que esse filme, ao lado de "Os Paqueras", de Reginaldo Farias, iria deflagrar a onda da comédia erótica, que ficou mais conhecida como pornochanchada. Ele dirigiu também "A Viúva Virgem" (1972) e "Ainda Agarro Esta Vizinha", consideradas como ponto alto do movimento pornochanchadeiro. Seu penúltimo filme (o último também é promissor: "Gente Fina é Outra Coisa", comédia de António Calmon a ser lançada brevemente), agora como produtor bem sucedido, é "O Ibrahim do Subúrbio" (em cartaz nos cines Windsor, Del Rey e circuito), uma comédia de costumes, ambientada nos subúrbios do Rio. Rovai fala sobre esse filme:

– O que eu pretendo agora é desenvolver o lado caricato da pornochanchada, porque ela não interessa mais como fórmula. O filme é uma tentativa ao mesmo tempo de espetáculo e dramaturgia, partindo do riso para chegar quase a um cinema de reflexão. Os personagens já não são "figuras" da sociedade, mas outros bem diferentes: a fome é o personagem do episódio "Roy, o Gargalhador", dirigido pelo Astolfo Araújo e, no outro episódio, que dá titulo ao filme, o personagem é a alienação.

Embora não tenha dirigido o filme, Rovai foi argumentista do episódio sobre a alienação e, como produtor, continua fazendo um cinema pessoal, desenvolvendo sua temática preferida: problemas da pequena classe média. Por que ele não dirigiu o filme?

– Eu me tornei produtor para não sair do cinema. Depois dos sucessos que foram "A Viúva Virgem", e "Ainda Agarro Esta Vizinha", fui me tornando cada vez mais inquieto e critico em relação a mim mesmo. Não sou de me embasbacar diante do sucesso e não quis justificar posições. Fiquei em pânico quando percebi que todos esperavam que eu fosse me acomodar na fórmula e continuar na repetição. Esses dois filmes eram lances pessoais, com um lado lúdico, trabalhando em cima do deboche com raiva de não poder fazer melhor. Eu me recusei a trair o popularesco e percebi que poderia usar essa dramaturgia do caricato e do grotesco como uma espécie de carpintaria para lazer um filme de reflexão. E "O Ibrahim do Subúrbio" é um primeiro passo nesse sentido.

Com um agudo senso de observação, Rovai acompanhou todo o desenvolvimento da pornochanchada, que utilizou a mesma fórmula do sucesso fácil e garantido durante cinco anos (entre 1969 e 1974). Ele acha que possui uma espécie de "iluminação" e, em 1975, produziu um filme que praticamente dá por encerrado o ciclo pornô: "Luz, Cama, Ação!", uma comédia que coloca em discussão esse tipo de cinema e denuncia a utilização inescrupulosa da fórmula que se reduzia a muitas mulheres nuas e algumas piadas de mau gosto.

– Fico doente só de imaginar que uma fita minha não tenha público, embora isso nunca tenha acontecido. E não sou de controlar o borderô, ficar em cima da renda. Prefiro ficar acompanhando as reações do público.

O cineasta, atualmente com 38 anos, começou sua carreira como cineclubista em São Paulo, no Centro Dom Vital, na época de Jean Claude Bernardet e Gustavo Dahl. Depois dirigiu dezenas de documentários e foi assistente de direção de Luiz Sérgio Person em "São Paulo S/A" (1965). Quando ele terminou "Adultério a Brasileira", em 1969, passou a acompanhar o comportamento do público em todos os cinemas. Ele recorda:

– Eu ia em vários cinemas por dia onde meu filme estava em cartaz. Ficava na porta do cinema, depois entrava e ia observar o público. Não esqueço a reação de alguns operários, em Santo Amaro, quando eles pararam em frente ao cartaz de "Adultério a Brasileira", um cartaz enganador como qualquer outro, anunciando sexo e vendendo o produto. Eles olharam durante bom tempo as fotos expostas e depois começaram a contar o dinheiro que tinham no bolso. Eu fiquei com terrível sentimento de culpa e subi até a cabine de projeção. Havia uma cena em que a Jaqueline Myrna ficava um tempão em frente ao espelho, expondo uma espécie de "tédio pequeno burguês". Eu não tive dúvida: dei uma gorjeta ao projecionista e comecei a cortar essa cena no próprio projetor, como se fosse uma moviola, porque aqueles operários certamente queriam ver um filme alegre, enquanto não havia nenhuma alegria naquela e em outras cenas. No total, cortei uns 12 minutos do filme. Eu estava tão preocupado com esses espectadores que, de certa forma, era como se eu quisesse fazer na hora o filme que eles queriam ver.

Os filmes de Rovai, incluindo "Os Mansos" (1973) e "Lua de Mel e Amendoim" (1970), bateram alguns recordes de bilheteria, mas ele garante que não está rico:

– Cinema só é bom negócio para os exibidores e importadores de filmes. O exibidor fica com 50% da renda, enquanto o distribuidor leva seus 25%. Calcule-se 30% sobre os 50% do exibidor. E o produtor, que é o ultimo a receber, fica apenas com 30% da renda bruta. Isso é bom negócio?

Jairo Ferreira

(Folha de S. Paulo, 22 de junho de 1977)

12.7.07

Roberto Santos e o amor contra o pornô


JAIRO FERREIRA

Lançar uma pornochanchada, degradação de um tipo de cinema que trata a mulher como simples objeto, é fácil (há algumas de produção recente e já em cartaz); difícil é lançar "um filme de amor", como Roberto Santos define seu "Os Amantes da Chuva", que ele realizou há quase dois anos e só anteontem foi informado pela distribuidora Embrafilme da tão esperada data de lançamento – será no próximo dia 25. Por Isso o cineasta convocou a Imprensa para um primeiro encontro, convicto de que "há muito a dizer num momento como este em que tudo está devagar no cinema brasileiro".

"Meu filme Os Amantes da Chuva é um filme sem mulher nua: é um filme de amor. Eu pergunto: vocês querem mulher nua na tela ou na cama? Meu filme não tem mulher nua na tela nem na cama. Isso não me interessa: eu falo de amor e não quero saber de outra coisa senão de amor. A pornochanchada pode ter as suas razões, mas eu tenho as minhas, nós temos as nossas. Tenho direito de exibir meu filme, como a pornochanchada também tem os seus direitos. Faço filmes como sei; se fosse fazer uma pornochanchada me daria mal. Pornô hoje não ê um adjetivo; é um grande substantivo no cinema brasileiro."

Realizador de alguns dos melhores filmes do cinema brasileiro ("O Grande Momento"/58, "A Hora e a Vez de Augusto Matraga"/66, "As Cariocas"/66), Roberto Santos está realizando atualmente um curta-metragem, "Chick Fowle", sobre o veterano fotógrafo-lluminador, nos estúdios da Lynx Filmes. Sob o impacto da noticia do lançamento de "Os Amantes da Chuva", ele interrompeu as filmagens de "Chick Fowle" e recebeu rapidamente o repórter para manifestar a sua indignação diante de tanta mediocridade que está na praça:

"Os Amantes da Chuva é simplesmente um filme de amor e respeito. Pode atá ser velho, mas isso não me incomoda: até hoje "O Grande Momento" é um filme novo. O cinema brasileiro tem que ser como um grande leque, um arco-íris que abrange tudo. No momento há uma grande expectativa entre os próprios cineastas: todos estão querendo ver os filmes dos outros. Eu quero saber o que Rogério Sganzerla está fllrriíjivlo, ele quer saber o que eu estou fazendo e vai por aí afora."

Positivamente, o cinema brasileiro é sempre imprevisível. Roberto Santo» tem suficiente autocrítica (coisa que falta à maioria) para reconhecer que "Os Amantes da Chuva" talvez seja um filme "velho". O cineasta, um dos maiores batalhadores do cinema nacional, teve a coragem de convocar a imprensa para falar de "amor", num momento em que outros não conseguem se libertar dos estereótipos e clichés. Tomo então a liberdade de não concordar com o entrevistado quando diz que seu filme talvez seja velho, pois amor é invenção, é a coisa sempre nova. Por aí se percebe uma quase obsessão do cineasta pela coisa nova, seja amor ou liberdade:

"Eu acho que a liberdade deve vir de baixo para cima, não de fora para dentro mas de dentro para fora: é você soltar, liberar, o que tem dentro do coração. Por isso eu filmo do jeito que dá. Acho que quem não souber usar essa liberdade estará mal. É preciso deixar nascer o que deve nascer. E então é preciso ver tudo que está por ai: Super 8, 16, filmes escondidos, grandes espetáculos, filmes que estão nas prateleiras, experimentais e principalmente as velhas chanchadas."

"Estou muito interessado em verificar os documentários brasileiros onde os homens não sabem falar direito e me preocupo multo com a paródia, coisa vinda da chanchada, porque é daí que vem uma abordagem para quem gosta de representação. Então é preciso abrir isso e ver sem preconceito, porque o cineasta brasileiro ainda sofre de preconceito. Esse foi o pior registro do Cinema Novo, que queria ver tudo de uma forma Igual. Acho que chegou o momento de quebrar com isso e se abrir para verificar como estão surgindo novos grandes cineastas."

(Folha de S. Paulo, 14 de agosto de 1980)

11.7.07

O iconoclasta Eizo Sugawa

JAIRO FERREIRA

"Caça às Feras" (1973) é o último exemplar de uma trilogia eclética que o diretor japonês Eizo Sugawa, nascido em 1930, inaugurou com o eletrizante "Morte à Fera" (1959) e desenvolveu com o também inquietante "Na Trilha das Feras" (1964), "thrillers" niilistas que dissecavam implacavelmente as mazelas da primeira arrancada industrial no Japão ainda convalescente dos traumas pós-Segunda Guerra Mundial.

Em "Morte à Fera", Sugawa apresenta o seu deflagrador personagem principal, Date Kun (brilhante interpretação de Tatsuya Nakadai), como um novo tipo de assassino que iria surgir nos grandes centros urbanos. Há uma discussão entre professores de uma universidade sobre o assunto ao mesmo tempo em que um robô em miniatura passeia sinistramente pela mesa. O poeta Rimbaud não é citado, mas ali estava uma de suas máximas devidamente adaptada aos primórdios da cibernética: "Eis aqui o tempo dos assassinos".

Date Kun age impulsivamente. Sua trajetória de crimes começa com a explosão de uma bomba de fabricação caseira no campus da universidade. O personagem é um inconformista, um revoltado, um terrorista. O que faz é contestar radicalmente um sistema no qual não vê perspectivas. E a abordagem existencial de Eizo Sugawa deixa evidente a sua empatia com esse anti-herói ao mesmo tempo em que a ação da polícia é minimizada.

Numa época em que predominavam as aventuras de samurai e os melodramas exacerbados, "Morte à Fera" era uma exceção no cinema japonês. Mas logo se viu que Eizo Sugawa não estava só. Seu terrorista era Yoshio Shirazaka, o mesmo de "A Fera Azul", de Hiromichi Horikawa, onde Tatsuya Nakadai interpreta uma variante do já célebre Date Kun. Outra sintonia é com Nagisa Oshima que realizaria o libelo "Juventude Desenfreada" (1960) e o anárquico "O Túmulo do Sol" (1964).

Temas diversificados

Antes de realizar o segundo exemplar da trilogia das "Feras", Sugawa ampliou os horizontes de seu niilismo com filmes diversificados: "Arma Fatídica" (1960), sobre suicídio; "Desafio à Vida" (1961), reminiscências da Segunda Guerra Mundial; "Aquela Mulher de Osaka" (1962), com uma bela Heiko Dan vivendo uma feminista que se revolta contra a massificação do trabalho numa fábrica de produtos em série. Houve ainda outra boa dose de desencanto com "Liberdade sem Esperança" (1962), sátira cruel em torno da instituição do casamento.

Esses filmes chegavam regularmente aos cinemas de São Paulo. Sua estética era um coquetel de invenção plano a plano, sempre com cortes de impacto, utilização criativa da tela cinemascope, ritmo narrativo de rara fluidez.

No livro "O Filme Japonês" (1963), editado pelo Grupo de Estudos Fílmicos, o poeta Orlando Parolini define o contexto do cineasta:

"Chamam-no comumente de niilista. Seu niilismo, no entanto, parte de um ponto em que para ele, Eizo Sugawa, as doutrinas sociais ou religiosas já contribuíram com tudo o que poderiam contribuir e, se da aplicação delas poderão ainda surgir outros efeitos benéficos, estes virão demasiadamente lentos. Nós não podemos esperá-los''.

Radiografia da perversão

Eizo Sugawa não via saídas para o homem urbano. Quando se pensava que ele tivesse esgotado o assunto, surge uma nova radiografia da perversão: "Na Trilha das Feras" (1964), segundo exemplar da trilogia de "thrillers", lançado em São Paulo em outubro de 1966. A escalada industrial japonesa, vista por dentro, era o ponto de partida. Os personagens são "big shots", espiões industriais e proxenetas. O filme é uma denúncia de corrupção, uma espécie de anátema, sem qualquer moralismo e também sem qualquer esperança. Sugawa não poupou críticas à esquerda japonesa, no caso pulverizando um industrial corrupto que, na juventude, foi líder estudantil. "Na Trilha das Feras" tem muitos pontos de contato com "Homem Mau Dorme Bem" (1960), de Akira Kurosawa, mas sem a crueza de Sugawa que conclui o filme com um personagem sendo incendiado com gasolina numa banheira.

Retorno ao niilismo

Os ventos não estavam favoráveis, no fim dos anos 60, ao niilismo de Eizo Sugawa, que sobreviveu dirigindo filmes de encomenda. O retorno a seu tema predileto se deu com "Caça às Feras", filme que encerrou a sua trilogia das "Feras" e o penúltimo que realizou antes de se afastar dos estúdios com "Volúpia da Vingança" (1974).



"Caça às Feras" gira em torno de um seqüestro nada convencional. Uma organização terrorista seqüestra o presidente de uma fábrica de refrigerantes, a "Pop-Cola", exigindo em troca da libertação a publicação da fórmula do produto pelos jornais. A matriz em Nova York tenta solucionar o caso com dinheiro, o que complica a situação.

O Japão tinha mudado muito entre 1959 e 1973. Eizo Sugawa não sustentou até o fim a sua tese ou axioma de que o crime compensa. Se "Caça às Feras" tivesse sido realizado nos anos 60, a polícia certamente seria ludibriada pelos seqüestradores. Restou então a impressão de que o filme é uma retratação de Eizo Sugawa diante da polícia de seu país. Irônico epílogo para um cineasta iconoclasta que ousou demolir as instituições japonesas enquanto isso foi possível.

(Folha de S. Paulo, 21 de dezembro de 1986)

7.7.07

Os Tentáculos do Polvo

A criticalha burocratizada torce a narina a outros media que não o cinema. Ignora que o lance é tornar-se psicopata,ou seja, aglutinar em mosaicos. Despidos de originalidade, estariam no mato sem cachorro se fosse barrada a importação das revistas de cinema. Kubrick em seu último filme vai mostrar que a vanguarda tornou-se um bem de consumo comum. Qualquer avanço será metavanguarda. Em cinema, isso significa que o telégrafo, o ideograma chinês, a rádio, a TV, os comics, a poesia concreta podem e devem cultivar relações estruturais entre si. A ais-valia será da linguagem cinematográfica. Provincianos a meio século de 22, vão gamar Crônica de Ana Magdalena Bach (breve na SAC) só porque o Cahiers badalou, sem saber que Straub teve que suar em cima das escalas bachianas pra reinventar Bach em linguagem de cinema. Metacinema não é simplesmente cinema dentro do cinema (Uma Sombra me Persegue, de Noel Black, é até "conteudista"). O que vale é o atrito criativo entre as estruturas dos medias. Daí ter sido Oswald de Andrade um grande cineasta, ele que era um antropofágico de estruturas.

–oOo–

A Kodak decretou a falência da PNF. Os oficiais de justiça, num dia da semana passada, evacuaram os funcionários da firma, desceram as portas de aço e grudaram na fechadura os papéis da infância. Isso não devia ser surpresa. Mas foi, entre debilóides que não sacam estruturas. A platéia e a criticalha sempre aplaudem na hora errada. O fechamento pelo INC das 28 salas num 25 de janeiro era medida de impacto demagógica. No fundo, não há diferença entre INC, exibidores e Kodak.são tentáculos do polvo estrangulando lentamente o produtor brasileiro. E como proliferam os diretores galináceos, o que ganharam foi uma casca de ovo choco, aliás merecido.

–oOo–

Uma minicrítica de Corrida em Busca do Amor que ficou pronto antes da falência. O melhor filme de Carlão Reichenbach, fácil. Outra evidência de que não há diferença qualitativa entre o dito cinema pessoal e o falado cinema de encomenda. A equipe dança conforme o disco do produtor, que no caso era fanhoso. E suprindo lacunas nessa equipe indigente,fui assistente de direção, co-dialoguista, co-roteirista,continuidade e still e até ator, embora contratado como fotógrafo de cena. Mas garanto que foi a última fria. Inútil esforçar-se quando os produtores são tentáculos do polvo e não sustentáculos de um possível cinema do povo. Nesse filme tudo começou errado e se terminou bem foi graças à montagem de Silvio Renoldi e à tremenda honestidade profissional do diretor. Honestidade aliás usada como know how básico da produção. Carlão dublou paca e fez a música com seus próprios discos (também fanhosos). Salvou a cara? De qualquer forma, não será idiota em repetir a experiência. Resultou algumas gags engraçadas numa narrativa forçadamente anti-linear, mais por culpa da produtora. Se tem algum lance criativo é de responsabilidade exclusiva do diretor e seus amigos assistentes. O filme vai estrear logo. Os produtores vão abrir outra firma que outra Kodak fechará e continuarão explorando outras equipes. De minha parte, desejaria que o negativo se incendiasse acidentalmente.

JAIRO FERREIRA

(São Paulo Shimbun, 10 de fevereiro de 1972)