28.2.07

Jairo e Biáfora

Filmagem de O Quarto (1967), de Rubem Biáfora. Foto do arquivo do Jairo, recortada e anotada:
da esq. para dir.:
Jairo Ferreira, uma puta, Sérgio Hingst, Rubem Biáfora (de costas), Rudolf Icsey e Pio Zamuner. "Me lembro que a cena foi rodada num bilhareco no Vale do Anhangabaú, vizinho ao tradicional Cine Cairo". JF

Biáfora e eu

O blogue não um veículo pessoal; é, antes, um espaço para compartilhar o material que recebi e coletei do Jairo. É, também, uma tentativa de dar alguma ordem ao caos.

Em todo caso, vou utilizar este espaço pra responder aos comentários do Matheus Trunk (da revista Zingu), pesquisador sério e obsessivo da Boca do Lixo, no blogue Cinéfilos do Terceiro Mundo. Matheus se referia ao meu artigo publicado na Paisà (número 6, dezembro de 2006) a respeito do lançamento da coletânea de artigos do crítico Rubem Biáfora. Artigo e comentários podem ser lidos em http://cineterceiromundo.zip.net/, na data de 15 de fevereiro.

A primeira coisa que tenho a dizer é: não confundir o poeta com a poesia. Nada tenho contra o Biáfora; minhas restrições iniciais não são pequenas, mas referem-se a seus textos.

Sim, ele tinha opiniões bastante fortes. Ponto. Sim, ao ler um artigo seu, sabemos razoavelmente de que lugar nos fala o crítico. Ponto. Mas me parece que a força de que falo vem antes de uma veemência do que de uma boa argumentação, por exemplo. Pouco me importa que sua escrita, digamos, tivesse uma sintaxe incomum – o que em muitos casos está mais para a virtude. O que me incomoda e me parece evidente, é que, o Biáfora se expressava muito mal. Quero dizer: à força de abarcar coisas demais, por exemplo, com freqüência ele se perdia num terreno de quase ininteligibilidade.

Quando digo que Biáfora podia ser de "uma obtusidade espantosa" em nada isto tem a ver com o fato de que seu gosto estético não me é dos mais próximos (não sou grande admirador do Khoury, por exemplo). A impressão que seus textos me passam é que ele tinha uma idéia razoavelmente fixa e conservadora (até caduco mesmo) sobre cinema, e os filmes seriam melhores ou piores quanto mais próximos ou distantes estivessem desse projeto. Daí a noção de obtusidade: uma certa cegueira para com outros projetos estéticos (e nisto ele é parecido com muitos críticos de hoje em dia, como falei). O que não era algo 100% certo; aliás, seus melhores momentos são quando esse "modelo helênico" (ele defende um filme grego com mais ou menos estas palavras) lhe escapa das mãos.

Por estes motivos me é fácil dar maior relevo ao seu trabalho; ao mesmo tempo, tenho muito mais prazer lendo vários outros críticos de sua época. O mais curioso de tudo é que, ainda hoje, o Biáfora ainda possa provocar opiniões tão diversas. O Sérgio Alpendre, editor da revista, tinha um pé atrás com o artigo. Já com o Inácio Araujo tive uma conversa bastante longa sobre o texto: em linhas gerais, ele corroborava minhas idéias. Digo isso não para usar um critério de autoridade do Inácio; antes para demonstrar que não me parece um absurdo o que escrevi.

Eu acho um tanto curioso, também, que você, que é ligado ao cinema popular da Boca, possa admirar tanto as críticas do Biáfora – que nunca foi um grande defensor, por exemplo, do cinema de um Galante. Tampouco imagino ele tecendo maiores elogios a um filme do David Cardoso como Dezenove Mulheres e um Homem. Releia a crítica de O Olho Mágico do Amor. Você diz que ele era autêntico, grande defensor do cinema paulistano, etc. – o que estou longe de discordar. Mas me parece muito pouco (lugar comum mesmo) para definir qualquer crítico, não? A idéia de uma "coragem de ser", no entanto, me parece forçada: ser algo é sinal de coragem? Ser contra o cinema novo o Moniz Vianna, também era, por exemplo. É nesta tecla (e somente nela) que o livro bate, e nisso ele é tão insuficiente quanto a seleção dos artigos. Nesse sentido, é um trabalho anti-Biáfora: não só porque dá uma idéia mínima do que foi seu trabalho como, ao mesmo tempo, renega sua proposta (que o Motta levava ao pé da letra) de pesquisar e compilar tudo sobre cinema.

Se comentei o filme O Quarto, foi talvez para relativizar as coisas. Não me interessa transformar o Biáfora numa pedra (o que, pela sua suposta teimosia, muita gente dizia).

Dizer que o Maurício Gomes Leite e Antônio Lima são críticos mineiros é meio estranho, não? O Antônio Lima, diz a lenda, foi quem cunhou a expressão Cinema Boca do Lixo pela primeira vez. E a coleção não se restringe ao cinema paulista: há livros sobre cariocas, mineiros, gaúchos, etc.

Quando escrevo que alguns textos são curiosos... enfim, por vezes eles tinham algo (involuntariamente?) engraçado, não? No mínimo, eles são muito mais agradáveis de serem lidos do que, entre outros, os artigos sobre o Saura.

27.2.07

Assaltantes mal informados sobre cinema

No último domingo, entre 22h45 e 23 horas, as bilheterias do Cine Rio já estavam fechadas quando dois mulatos sacaram seus revólveres contra o gerente e o lanterninha que estavam na sala de espera. Ambos pareciam não gostar muito de cinema e não fizeram nenhuma citação dos filmes famosos, limitando-se a obrigar o gerente a abrir o cofre, pensando encontrar uma grande fortuna. Levaram toda a féria do dia, que, para cinema nacional, não era das piores: Cr$ 43.700,00.

Os dois assaltantes nada trapalhões e certamente muito mambembes colocaram a grande entro de uma camiseta encardida e pegaram o lanterninha como refém. A ocorrência foi registrada na delegacia mais próxima, com uma nota complementar: é a primeira vez que se vê assalto a cinema que exibe filme nacional. Mas isso tem uma explicação muito simples: os assaltantes estavam muito mal informado sobre o cinema, ignorando que as rendas de "A Profecia" e "Todos os Homens do Presidente" são muito mais polpudas. Mas o maior crime deles é mesmo não ter assistido "À Flor da Pele". JF.

(Folha de S. Paulo, 8 de março de 1977)

25.2.07

Julio Bressane, rebelde da América

JAIRO FERREIRA

O experimental no cinema brasileiro é jóia rara, pérola crítica rodeada de inocência por quase todos os lados. A frase é uma tentativa de exprimir o que não é fácil, o que não pode ser definido aristotélica, acidental ou ocidentalmente. No Brasil, com generosidade inclusive, o que não é fácil existe e resiste. Aqui só não existe cinema experimental – existe, contudo, o experimental no cinema brasileiro.


O parágrafo acima me parece uma boa forma de anunciar, sem clarim mas com clareza, algo inédito entre nós: a primeira mostra quase completa dos filmes de Julio Bressane, cineasta de muitos paradoxos, do culto e do oculto e de muitos outros trocadilhos que exigem, no mínimo, algum talento para a poesia concreta. Quem organizou? O Cine Clube CAAE da Fundação Getúlio Vargas. Quando começa? Dia 30 às 20 horas? Qual o primeiro e o último filme a serem exibidos? "O Anjo Nasceu" abre e fecha o ciclo, não gratuitamente: "fechar é abri", diz Bressane, mas é bom que não se tire muitas ilações políticas da frase.

Permeando a abertura e a fechadura, serão exibidos mais onze longa-metragens de invenção, sendo dois inéditos em todo o território ("Cuidado Madame"/1970 e "Amor Louco"/1971). Sobre esse filmes muito falados, embora alguns sejam quase mudos, sendo todos pouco vistos, mas nada de definitivo será dito nesta matéria, uma leve introdução aos filmes de Bressane. Isso porque ninguém está habilitado, nem mesmo o próprio cineasta, a falar de seus filmes sem assisti-los no mínimo cinco vezes cada um e, no máximo, quantas conseguir (esses filmes viciam). "O importante é rever", costuma dizer o autor. Sua obra e sua personalidade estão entre as mais originais de todo o cinema:

- O importante em arte é exprimir – o que exprime não tem importância. Eu nasci no Rio do Cão. Tudo que fiz em cinema foi no sentido de ter e dar prazer. E também um voraz apetite por obstáculos. O criar como o ler é uma operação militar. Filmes raros e extraordinários, como "Limite", podem ser feitos cinco por ano e não um em 50 anos. Cinema é sonho – a arte do futuro é a arte do sonho. O melhor cinema é feito por aquele que mais sonhar.

- Dizem algumas línguas que, no cinema brasileiro, a maldade é grande e a inteligência não é notável. Será assim? Até agora toda minha trajetória cinematográfica numa remoção de entulho ancestral. Numa poda drástica! Eu, Julinho Bressane, todas as épocas no meu cérebro, saúdo os criados de todas as raças. Evohé!

Não é exatamente assim – é mais ou menos assim que se expressa Bressane. Seus textos são raros e quase impublicáveis no ritmo normal da imprensa diária, uma das razões pela qual praticamente não dá entrevista (" não ser inter-vírus"). Prefere a conversa generosa e sempre inquietante, o que ele chama de "batuque dos astros", uma caminha rumo ao Sétimo Céu, morro carioca de vista aprazível, mágica. Aí ele diz o que nunca disse e deixa qualquer um preocupado: "Pois é: conversamos sobre tudo isso, mas o importante é o que ficou por dizer". Isso é subjetivo, claro, pressupondo que restou algo de muito concreto:

- O cinema experimental pede anistia! O cinema experimental quer ocupar espaço. O filme que desenterrou o cinema experimental no Brasil foi "O Anjo Nasceu".

- Arte é imitação – imitação de um processo da natureza – não cópia. Arte é deformação – é anormalidade: arte é conflito.

- Cinema pornô? Eu sou por um cinema erótico. O que não se pode confundir é erotismo com essa rede de onanismo picareta que vem constituindo a mente cinematográfica contemporânea. Penso que hoje em dia vale menos a Dulcinéia do que a Dulce nua.

Em janeiro de 1970, juntamente com Rogério Sganzerla, Bressane fundou a Bel Air, produtora que realizaria 5 filmes, entre os quais "Cuidado Madame", dele, e "Sem Essa Aranha", de Sganzerla. Por enquanto só vi esses dois e confirmei a expectativa: são o experimental por excelência no cinema, mas por isso mesmo passa a ser. Esses dois filmes não estão no gibi, não constam nos almanaques Do INC ou da Embrafilme. No filme de Sganzerla, inclusive, Helena Ignez exibe um mapa esfarrapado onde não consta o Brasil, como se os ratos tivessem roído o papel. A Bel Air foi "um terremoto clandestino que sismógrafo algum registrou":

- A transgressão, a rachadura que é a Bel Air ainda não foi examinada devidamente. Os filmes não chegaram ao público. Continuam numa cortina de silêncio. A Bel Air é uma lufada de ar novo na atmosfera anestesiada e vacilante do cinema brasileiro.

- Os filmes da Bel Air tiveram seu acesso às salas de exibição proibido. Entretanto, foram esses filmes que transformaram o panorama dos produtores que fazem cinema. Todo este ar novo quem trouxe e gerou foi a Bel Air, terremoto clandestino, vento que sopra de uma pátria cinematográfica futura. O cinema nacional está de olho no sucesso – o cinema experimental está de olho na sucessão.

Há muito mais uma censura estética do que policial em torno dos filmes de Bressane. Em 1970, o INC implicou com "O Anjo Nasceu" e "Matou a Família e Foi ao Cinema" porque ambos foram rodados em 16mm e ampliados posteriormente. Comentarista oficiosos torceram o nariz à sintaxe revolucionária do cineasta, repetindo a intolerância histórica.: o artista que ousa alterar estruturas de linguagem e narrativa nunca é bem visto em sua época. Curiosamente, 7 anos depois, a Embrafilme iria incorporar gloriosamente em seu cartaz "Nosso Cinema – 80 Anos Depois" uma frase curiosa de Bressane: "Nós estamos fazendo os melhores filmes do mundo e vocês não estão entendendo nada". Bressane fala como filma, ideogramicamente. Não faz discurso – fala por aforismos:

- A arte abola o fato pessoal. Esse é o negócio. Não ser um – ser vários. O que interessa é o multipessoal e o pluri-subjetivo. Ver é ver: isso é lapidar e poderia ser um aforismo Bel Air. Arte é interpretação individual de uma sensação geral.

- Pelo que é se sabe o que não é. O que interessa é o que não é. E como a fala que a gente fala – o que interessa é o que não se fala. Interessa o que não aparece, não o que deixamos no papel, mas o que permanece secretamente fora dele.

- Cinema é coisa de especialista. E melhor ser um poeta capaz de ser 500 do que 500 que possam ser um só. Não há essa de pior ou melhor. O que foi feito – tudo – conta: existe. Devorar é romper. Só rompe realmente quem conhece a causa, com conhecimento de causa.

Entre os filmes que serão exibidos, "Amor Louco" ("Crazy Love"/1971) é um dos mais cinematográficos. Trata-se de uma espécie de operação de catarata na linguagem do cinema. Guará auto-opera seu próprio olho com uma faca e, em seguida, há uma operação na lente da câmera, tudo passando a ser visto numa nova perspectiva. O que Bressane faz com um espelho não tem precedentes no cinema: o plano compreendido como montagem. Cinema cosmológico: a câmera, o tripé, o fotógrafo e o diretor integrados em planos-sequência já montados no ato de filmar. Cada plano começa e termina onde começou. Vem daí a frase de Bressane: "fechar é abrir".

Sobre "A Família do Barulho" (1970), produção Bel Air, Torquato Neto escreveu: "Utilização eficaz (inovadora) da linguagem do cinema. Montagem absolutamente não discursiva. Um plano é um plano. Guará, Helena, Otelo, Kleber, Poty: preferência nacional. Unidade total a partir do aproveitamento malandro do indivíduo – ator sob/sobre o personagem. Cinema de invenção. Originalidade para o mundo. Do lado de fora do concurso etário quem é mais brasileiro aqui?".

"Memória de um Estrangulador de Loiras" (1971), a exemplo de "Crazy Love" (nada a ver com a canção de Paul Anka), também influenciou cineastas ingleses, invertendo o fluxo do colonialismo cultural, como Orson Welles já havia feito em 1942, quando aqui esteve filmando o morro, o carnaval, os jangadeiros, Grande Otelo e a praias de Salvador ao Rio. Welles não conseguiu terminar seu filme, "It’s All True", uma "bad trip", mas disse: "Um dia eu voltarei". Bressane também poderia dizer: Um dia eu voltarei a Londres". Sganzerla está tentando realizar "Toda a vedade", reconstituindo toda essa história, alterando a visão que se tem do cinema brasileiro. Aliás, é impossível falar de Bressane sem falar de Sganzerla. Há um ano atrás, Bressane me disse que tinha assistido 12 vezes "Verdade e Mentiras" de Orson Welles.

A curva sensitométrica da filmografia de Bressane parece Ter atingido um limite com "O Rei do Baralho" (1973), ensaio sobre a chanchada, ou melhor, meta-chanchada, pois a velha chanchada já era meta-cinema, parodiando o cinema estrangeiro. O filme se passa nos estúdios da Cinédia, um capítulo fundamental da história do cinema brasileiro incorporado a outro capítulo chave do experimental nacional, já que "O Rei do Baralho" é uma espécie de lance de dados mallarmaico na mitologia da chanchada, gênero neo-síntese da originalidade brasileira.

"O Anjo Nasceu" é estruturado a partir do Cinematógrafo Lumière. Primórdios da invenção do século. Um filme em branco e preto, onde os personagens são signos da película: o branco (Hugo Carvana) e o preto (Milton Gonçalves), marginais líricos e cafajestes. Glauber Rocha costuma reivindicar para si essa invenção, alegando que já tinha feito isso em "Câncer" 9agosto de 1968). Do Cinema Novo, Glauber é o único grande cineasta experimental, respeitadíssimo por Bressane e Sganzerla, não havendo motivo para discussões no gênero "eu fiz primeiro". Bressane faz questão de esclarecer, porém, que seu atual "O Gigante da América" não é nenhuma resposta à "Idade da terra", que Glauber está concluindo.

Recentemente estive nos estúdios da Magnus Filmes, asssitindo as filmagens de "O Gigante da América", o primeiro filme que Bressane faz com financiamenteo da Embrafilme. Acompanhei a seqüência de um baile babilônico, feita sobre o principal cenário de "Intolerância", de Griffith que, como se sabe, foi um dos mitos do Orson Welles cinéfilo. Do roteiro, 30 páginas que mais parecem um poema de Mallarmé, retirei algumas pérolas: "O verdadeiro implica o falso. Eu sou absurdo pelo que procuro e grande pelo que encontro. O barco do sonho não tem porto. As buscas insensatas são parentes das descobertas imprevistas. O papel do inexistente existe". Bressane me mostrou o cenário dessa "intolerância nacional" e sentenciou: "Pitangueiras não dá manga", aforismo, aliás, dito no filme por um dos personagens.

Como José Mojica Marins, Orson Welles, Rogério Sganzerla, Glauber Rocha e outros poucos cineastas americanos (do Norte ou do Sul), Julio Bressane pertence a uma raça em extinção: a raça dos rebeldes da América. Em tempo: Jean-Luc Godard e Jean-Marie Straub, baluartes do experimental, também são rebeldes, mas da Europa.

(Folha de S. Paulo, 30 de março de 1979)


22.2.07

De Punhos Cerrados


Exibido no FIF de 65, De Punhos Cerrados chega agora a São Paulo, inclusive após suas conseqüências no próprio cinema italiano (Obrigado, Tia) e nacional (Cara a Cara). Tal como Bandido Giuliano, de Rossi, o filme de Bellocchio é um marco violento e deflagrador da nova geração de cineastas italianos. Como impacto, lembra Morte à Fera, de Sugawa, pela maneira raivosa de filmar. É um desses filmes que influenciam toda uma geração. Talvez sob pena de ser castrado, em A China está Perto Bellocchio está menos agressivo. A própria ordem denunciada o tolera...

Copacabana me Engana e Vida Provisória, uma melhor que a outra, trabalham problemas: um personagem de Leite diz que o povo brasileiro é sentimental enquanto de Fontoura dá uma de frouxo. Qual o personagem nacional com coragem para romper? Bellocchio também sabe que o povo italiano é sentimental. Há momentos em que ser humano implica em quebrar com tudo. Bellocchio mostra uma unidade social – a família – em plena desagregação, mal do sistema. Vermes sociais corroem as estruturas. Os personagens mórbidos de Bellocchio lançam germes de renovação. Radical em sua visão política, o cineasta não dá de complacente com seus personagens. Chuta longe a psicologia. Vai ao âmago da questão: doentes, os personagens tomam atitudes alucinadas. O epiléptico Alessandro (Lou Castel, ator genial) desfralda a bandeira da ruptura.

De formação marxista, Bellocchio expressa, sem bitolamentos, essa revolta que marca o início do quebra pau. É terrível sua crônica da morbidez de uma família italiana pequeno-burguesa rural-urbana. O diretor guarda no bolso os punhos cerrados, e esmurra sem piedade. Despojado na linguagem, Bellocchio agride nos cortes de uma seqüência a outra, além de derramar em cada ação a exata dose de ódio. Esta cerimônia de violência infernal contém algumas verdades que 99% das pessoas não querem ver. Levando a bom termo a desagregação familiar, Lou Castel atira no abismo a mamãe cega. Maravilhoso o estrebucho final operístico. Cinco estrelinhas!

Jairo Ferreira

(São Paulo Shinbum, 21 de agosto de 1969)

18.2.07

Um feitiço decente no ciclo de Sganzerla

JAIRO FERREIRA

De hoje a domingo próximo, o Cine Clube CAAE da Fundação Getúlio Vargas estará apresentando a primeira mostra menos incompleta do cinema de Rogério Sganzerla (colaborador da Folha) de quem já se viu muito mas não suficientemente "O Bandido da Luz Vermelha" (68) e "A Mulher de Todos" (69), respectivamente amanhã, às 21 horas, e Sábado, no mesmo horário.

Não suficientemente porque agora é preciso relacionar esses dois marcos no experimental contemporâneo ao quase mitológico "Sem essa Aranha" (70, amanhã em duas sessões, às 19 e 21 horas), ao inédito e certamente revelador "Mudança de Hendrix" (80, hoje Às 19 horas) e ao subestimados fantástico e paleolítico "O Abismu" (Domingo em dus sessões, Às 19 e 21 horas).


Podemos começar por qualquer um eles, pois em Rogério tudo é uma coisa só e isso seria tudo ("toda revolução nasce e termina na mente, livre ou não"). Mas o que seria é serial e isso é muito sério: um psicanalista diria que há um Rogério em cada filme e que quem fez um não poderia Ter feito o outro. "O Bandido" é muito diferente da "Mulher de Todos", este não tem nada a ver com "O Abismu", "Mudança de Hendrix" retoma "O Bandido", mas "Sem Essa Aranha" é outro papo. Seria isto: todos seus filmes são diferentes um do outro, mas por isso mesmo iguais. Uma coisa só, mas muito grande, multifacetada ou não, capaz de agitar a imaginação do estudioso como nenhum cineasta brasileiro conseguiu e isso num terreno inexplorado, instigante: não é exagero dizer que Rogério Sganzerla é o Orson Welles brasileiro e eu poderia escrever horrores comparando a filmografia de um e outro.

Começaria pelo "Bandido" que está para "Cidadão Kane" como "A Mulher de Todos" para "A Dama de Xangai". O encontro ambos, inclusive, já existe em correspondências e nos copiões avançados do filme que Rogério está realizando atualmente, "Toda a Verdade" (título provisório para "Its All True"/42 de Welles). Só não sei se "O Estranho" de Welles equivale ao "Abismu" ou à "Copacabana Mon Amour", lances menos geniais de Rogério, que me forneceu um texto inédito sobre "O Bandido":

"O que me fez rodar esse monstruoso painel do subdesenvolvido submundo político-social seria o impulso de Welles (em todo sentido o maior cineasta do Ocidente) em "Touch of Evil" ("A Marca da Maldade") em tudo dizer sem dizer nada, observar o essencial: discutir as relações do homem e do Estado, quer dizer, o homem e ele mesmo – sua mente, o verdadeiro problema (onde começa e termina qualquer revolução) – o outro (novo) homem, a humanidade".

"O lado policial narrado por um locutor esportivo já ficou óbvio para quem acompanhou os casos Nixon e Médici, mas para uma boa porcentagem da platéia é preciso ainda fazer engolir certas verdades essenciais, como por exemplo quem realmente acompanhou certos descasos de 68 para cá sabe que em política como em qualquer outra coisa o feitiço pode virar contra o (mau) feiticeiro. Sobretudo se ele não sabe fazer feitiço decente que prende a gente, sem vela vintém – caso de quase totalidade da direita ocidental e da esquerda – paradoxalmente – por enquanto também".

"Aos 22 anos não tive parcela do que precisava nem a necessária habilidade para trabalhar e encaixar os múltiplos fragmentos de um painel radiofônico vomitado – documentário tendendo ao cinejornal de 90 minutos sobre, no fundo, hoje assim me parece, um mal digerido e enjoativo enjôo de um jogo de futebol mal transmitido: a primeira idéia surgiu com o impulso e fazer um filme policial narrado por um comentarista esportivo – e não foi nisso que o Brasil virou?"

"Depois do policialesco tentei fazer uma chanchada mas acabei realizando uma aventura pornográfica" (já entramos em "A Mulher de Todos") "em homenagem às fitas alemãs ou suecas classe B: outro filem pejorativo cujo estilo obsceno serve pare melhor retratar nossa realidade – não por moralismo mas por ideologia. Em termos de "mise-en-scéne", "A Mulher" corresponde ao meu primeiro curta-metragem, "Documentário"/67, baseado na concisão e simplicidade do tema em questão. Gosto de filmar com a câmera fixa, admito travellings elucidativos, aprecio panorâmicas didáticas, sem artifícios. Prefiro os longos silêncios, a música em baixo volume. Evidentemente "O Bandido" era o contrário disso tudo porque trata-se de uma inspiração violenta, espanto e agitação diante da realidade (...) Depois de ter visto alguns filmes sobre mulheres (Rogério se refere, entre outros, às "Libertinas"/68, de Carlos Reichenbach, Antônio Lima e João Callegaro, precursores da pornochanchada) resolvi fazer também, para tentar provar que o gênero não é necessariamente medíocre. O assunto não importa muito, o que vale é o tratamento".

A última frase do parágrafo acima já foi pronunciada por Hitchcock, diriam. Mas eu não estou tentando provar que Rogério Sganzerla é um inovador. Ao contrário, ele é o "João Ninguém" de Noel Rosa. Só sendo Ninguém pode se tornar alguém ou, como escreveu numa de suas crônicas recentes aqui na Folha, "não sou alguém, sou ninguém, isto é, sou eu e Deus e mais uma partícula o pensamento revlucionário que não se conforma com a simples instrução das aparências".
Ou seja, não há nada de novo no cinema internacional pós-68. O que há é uma sintonia visionária, entre Rogério e Godard ("Salve-se quem Puder"/80 era título de um artigo meu de 71 no São Paulo Shimbun, retomado em crônica do cineasta na Folha, então sintonizado em Hendirx, "Fora dele não há salvação").

Ainda não assisti "Mudança de Hendrix", mas conheço "Sem essa Aranha" desde 78, quando foi exibido pela primeira vez publicamente na memorável mostra "Horror Nacional" do Festival de Brasília. Trata-se de apenas uma das sete maravilhas da produtora Belair que, entre janeiro e março de 70, surgiu como um abalo clandestino no depauperado cinema nacional. Aí está a fenda que abertura nenhuma trouxe à tona. Uma ponta desse iceberg se revela agora, 10 anos depois de tudo que acabou, ou melhor, imortalizou-se em película historicamente revolucionária.

"Filme de interrogação sem respostas culturais, ‘Sem Essa Aranha’ pretende refletir a realidade nacional através da deformação obscena do cinema em cinema nacional, da liberdade platônica sonhada pelo ideário poético de guerreiros gregos em simplesmente terror-de-esquina, da mensagem em piada sórdida, do golpe na gargalhada impessoal com a consciência do som péssimo, atores ruins, exploração e cinema brasileiro. Enfim, meus filmes são antes de tudo óbvias autocríticas que os intelectuais jamais poderão entender; meus filmes são seus próprios defeitos; meus filmes são aquilo que a produção não conseguiu; meus filmes são exata e concretamente aquilo que nunca poderei filmar porque como todo mundo sabe o cinema brasileiro é o máximo porque é impossível".

(Folha de S. Paulo, 12 de junho de 1980)


16.2.07

Uma guerra entre tubarões e peixinhos

A Associação Paulista de Cineastas (Apaci) distribuiu ontem uma circular bastante esclarecedora, denunciando as pressões que estão sendo feitas pelas distribuidoras norte-americanas sobre o cinema nacional. "Dona Flor e seus Dois Maridos, por exemplo, foi substituído bruscamente por Todos os Homens do Presidente, quando ainda poderia render muito mais. Em três meses de exibição, Dona Flor já ultrapassou 46 milhões de cruzeiros, batendo tranqüilamente Tubarão, que precisou de um ano inteiro para fazer 71 milhões de cruzeiros", informar a circular.

A Apaci diz que não é a primeira vez que isso acontece: filmes como Amadas e Violentadas, de Jean Garrett, Leito da Mulher Amada, de Egídio Eccio, Planalto dos Macacos, de J. B. Tanko – todos foram retirados de cartaz para ceder lugar aos filmes estrangeiros. O que está acontecendo é que a situação do mercado brasileiro, reservando apenas 112 dias para a exibição dos nossos filmes, cria a seguinte contradição: Dona Flor e Xica da Silva são quase suficientes para que os exibidores cumpram a Lei de Obrigatoriedade. Enquanto isso, uma série de filmes também representativos da sociedade e do momento brasileiro se acumulam nas prateleiras.

Como se vê, há tubarões em todos os níveis: tubarões estrangeiros contra os tubarões nativos e estes ameaçando os peixinhos. Uma situação que poderá ficar ainda pior a partir do mês que vem, quando saírem do zoológico hollywoodeano monstros como King Kong, O Urso Assassino e outros animais que são antropófagos, embora não tenham lido Oswald de Andrade. No caso de King Kong, por exemplo, o contrato prevê a exibição ininterrupta do filme em todas as capitais durante pelo menos seis meses. Não é fácil.

(Folha de S. Paulo, 11 de março de 1977)

15.2.07

O fantástico Jean Garrett

Ana Maria Kreisler e Benjamin Cattan em "A Força dos Sentidos"

JAIRO FERREIRA

Com a sala lotada desde às 20h45 (a sessão estava anunciada para às 21, mas só teve início, inexplicavelmente, às 21h25), muita gente sentada nas laterais de concreto e no corredor central, prosseguiu anteontem a mostra Perspectivas do Cinema Brasileiro no Museu de Arte de São Paulo. A mostra foi aberta segunda-feira última com "Gitirana", de Jorge Bodanzky e prossegue hoje com "Muito Prazer", de Davi Neves, prometendo repetir a grande afluência, o que prova que o público não está interessado num ou outro filme em particular, mas na mostra em geral, ou melhor, nas perspectivas que o cinema nacional possa ter, pois atualmente muitos acham que nem há perspectiva (alguns exibidores ganharam liminar para não exibir filmes nacionais – a não ser os que eles mesmos produzam).

"Ser eu sendo tu", diria Fernando Pessoa, se conhecesse Jean Garrett, também português, mas conhecido com Claude Chabrol paulista. Não é um cineasta que faz filmes pessoais e objetivos, mas sim impessoais e subjetivos, ou seja, parte sempre do roteiro de outro, do qual participa. Nunca é "ele mesmos", mas passa a ser: "Ser eu sendo tu". Simbiose do cinema de artesão, que é Garrett, aqui sendo ele através de um roteiro de W. Kopezky, como em seu filme anterior, "Mulher, mulher", o roteiro era de Ody Fraga.

Em "A Força dos Sentidos", o cineasta reafirma seu talento, total domínio da narrativa, sensibilidade inusitada para o inusitado, os temas fantásticos, aqui aliado com felicidade ao erotismo que garantirá a boa bilheteria do filme. Conseguir isso não é fácil: pode-se dizer que Garrett não faz concessões. Está se depurando cada vez mais e o próximo filme é sempre aguardado com maior expectativa (está montando "A Mulher que Inventou o Amor", este com roteiro de João Silvério Trevisan).

"A Força dos Sentidos", como "Mulher, Mulher", foi filmado em Ilha bela e tira total partido do clima fantástico da ilha, cenário que Hollywood inveja e não pode imitar. Quem imita – e bem – é Garrett, que sempre foi ligado em cinema de horror, suspense e policial. Seu fotógrafo predileto ,desde "Excitação" (1976) é Carlos Reichenbach, que vem da melhor fase da Boca do Lixo (1967/71). Conclui-se que Garrett retoma aquela fase e dá-lhe novo impulso, nova dimensão. Fora da Boca do Lixo, como se sabe, não há salvação., mas é preciso saber de qual Boca se está falando. Garrett é a ponte de ligação entre aquele segmento e o vôo rasante da pornochanchada que triunfa na Boca desde exatamente 1971.

Aldine Muller, por exemplo, já tinha feito mais de 30 pornochanchadas de carregação, mas sua carreira pode ser dividida em antes e depois deste "A Força dos Sentidos". O mágico é Jean Garrett, que já tinha feito a mesma coisa com Helena Ramos. E não é uma mágica tão difícil: o grosso da pornochanchada tem sensibilidade de pele de jacaré, quando o sufoco reclamou a volta do cinema epidérmico, mas também hipodérmico. Não é outra coisa o cinema de Jean Garrett: cinema de emoções à flor da pele.

Do que trata o filme? Parapsicologia cinematográfica. Parapsicologia propriamente é outra coisa , uma nova ciência, mas Garrett só se interessa pelo que essa ciência tenha de sugestão fílmica. Por isso lá está o velho clichê da moça que é fotografada mas não aparece na foto revelada. Um clichê que sempre funciona, principalmente quando é transfigurado por uma "mise en scène" talentosa. Se a moça não aparece na foto deve ser porque não existe, como talvez não existam nenhum dos outros personagens que rodeiam o escritor de novelas (Paulo Ramos). Esse é um dado da maior importância: o escritor pode ser uma projeção do próprio Jean Garrett e os personagens da ilha podem ser seus roteiristas. Objetivamente, os roteiristas existem, claro: "Ser eu sendo tu". Quem não existe, por outro lado, é o próprio Jean Garrett, mas não existindo passa a existir. E tem mais força do que os que "existem": não se brinca com a força dos sentidos.

(Folha de S. Paulo, 7 de fevereiro de 1980)

14.2.07

Entrevista com Jairo Ferreira

A seguinte entrevista foi concedida a Diomédio Morais e publicada no Cine Fanzine, número 1, em 1993. A cópia que Jairo me deu tem algumas anotações e correções feitas à caneta (como em quase tudo que ele guardava). Na transcrição, seguirei o texto publicado e, na medida do possível e do interesse, as anotações estarão entre colchetes. Mais importante, porém, é que numa delas, lê-se: "complementação: cap. Jairo Ferreira". Em algum momento, portanto, pensou-se em adicionar o texto abaixo à segunda edição de "Cinema de Invenção". É um belo depoimento mas creio que há entrevistas melhores do Jairo: uma longa concedida à Paupéria (revista editada por Vitor Angelo, Arthur Autran e Paulo Sacramento) e uma com o Peter Baiestorf. Em breve, pretendo disponibilizar este material também. (JT)

* * *

Como você define esse tipo de cinema que você vem fazendo há mais de duas décadas?

É um tipo de cinema muito especial, feito de epígrafes, aforismos e outros estilhaços que conduzem a uma síntese ideogrâmica. Sou, antes de tudo, um experimentador [inventor] e, aos meus olhos, o único valor consiste em não filmar, nem falar clichês. Experimentar [inventar] é a única coisa que me entusiasma: cinema de expert para expert e, também, import/export, sem esquecer que, no Brasil, todos entendem de cinema. Faço um cinema discretamente secreto, porque essa arte é mais secreta do que todas as outras somadas. Não utilizo a câmera como mero espelho de registro naturalista, mas como uma via [infovia] por onde chegam as mensagens de um outro mundo, de outra galáxia, de outro cinema de invenção [astral].

Ficção científica e horror em tom de chanchada?

Você pode somar todos os gêneros e o resultado ainda é pouco. É preciso criar novos gêneros de expressão. Shakespeare do cinema, Welles como ator é também um gênio dos gêneros. Já um Altman é apenas versátil, não chega nem a ser mestre. Sou mais Coppola, mais Tonacci. Ficção-científica e horror são os gêneros que mais me atraem, mas acho que o universo poético comporta tudo quando parece não comportar mais nada. Em algumas sessões do Vampiro da Cinemateca, observei uma tendência curiosa: a gargalhada implosiva, cultural/gutural, pois a platéia engole o riso e vai ruminar em casa.

O que significa fazer cinema no seu modo de ver?

Fazer cinema e respirar é uma coisa só. Respiro cinema dia e noite por todos os poros. Filmo para perscrutar, captar o aparentemente incaptável, definir o indefinível, ouvir o invisível e ver o inaudível colorido. Vou detectando à medida que as minhas pesquisas avançam no horizonte do provável. O cinema de novas percepções engatinha, Fritz Lang dizia: quem acredita ter uma vocação de cineasta, deve sentir-se interiormente como esses grandes pioneiros que exploram terras desconhecidas.

Há algo de novo do Vampiro da Cinemateca ao O Insígne Ficante?

Nove em dez vezes o novo é apenas o estereótipo da novidade. Fujo disto com a cruz do diabo. Dez em novo vezes a diluição pinta travestida de invenção e os incautos embarcam. No Vampiro, comecei filmando filmes-que-filmam-filmes, rosqueando a minicâmera no tripé da poesia moderna, Rimbaud/Baudellaire/Mallarmé. Lautreamont e Blake surgiram como assistente de direção. Desmontei sutilmente algumas seqüências lapidares de Cidadão Kane, jogando os sues planos em área existencial própria. Questão de princípio ex-tétrico/estético: transfigurar os originais em função do meu universo cinematográfico. Um universo que, ao mesmo tempo, é terra de todos e de ninguém. O próprio Welles endossa a tese em F for Fake, diante da monumental catedral de Chartres, obra anônima. [a última frase foi riscada]

Nem Verdade nem Mentira é o próprio Vampiro da Cinemateca com equipe?

Por aí. O Vampiro é um filme de todos, feito por um, lance subjetivo e impessoal. Nem Verdade nem Mentira é um documentário encenado, fake na grande Imprensa para captar a verdade jornalística através de um confidential report. O personagem está rodeado por uma equipe de oito pessoas e seis personalidades de uma redação, lance objetivo e pessoal.

O Insígne Ficante é um passo adiante?

Vários. Retoma o lance de olhos de raio[s]-x do Vampiro em ritmo de fantasia crítica, agora coadjuvado por Poe, Nerval, Piva e, também, Candeias, Ivan, Bressane. Ezra Pound surge como cicerone de viagens multifacetadas ao exterior e ao Interior do Brasil, separando o joio/diluição do trigo/invenção – um lance dos campos/pelos campos/para os campos. A culminância é um confronto da Guerra dos Mundos, via Welles em F for Fake com Limite de Mário Peixoto, ambos alinhavados por uma rara e soberba crítica de cinema escrita por Jorge Luis Borges.

12.2.07

Candeias, opção do cinema independente

JAIRO FERREIRA

Desde que realizou "A Margem", em 1967, Ozualdo Candeias vem desempenhando – com uma coerência espantosa – o papel de medula e osso na geléia geral do cinema brasileiro. Numa época em que o Cinema Novo já demonstrava sintomas de saturação, ele deu novo impulso às condições de produção do cinema independente, essa mesma tendência salutar – autêntico símbolo de liberdade em todos os sentidos – que o atual movimento Cinemão vem procurando massacrar sistematicamente com suas medíocres "Damas do Lotação" e "Cortiços" execráveis. Toda uma coerência ameaçada agora com a apressada aprovação da Lei do Artista, que teria levado o cineasta a interromper as filmagens de "A Opção", título que adquire uma conotação irônica.


– O que aconteceu – explica Candeias – não foi bem isso.

A turminha gosta mesmo é de criar confusões e tem gente que não está entendendo nada. Antes de esclarecer essa questão, vou esclarecer uma outra: numa reportagem sobre o "Cinemão", publicada na "Folha" mesmo, denunciei a sabotagem que a Embrafilme faz a certos cineastas independentes, mas um deses cineastas veio me procurar e até quis brigar comigo, querendo provar que o filme dele deu dinheiro. Então dá a impressão que os pobres coitados estão prejudicados e não querem ser defendidos. No caso do meu filme "A Opção", não sei quem andou dizendo que eu tinha interrompido as filmagens por causa da Lei do Artista. Não é nada disso: parei de filmar simplesmente poprque o dinheiro acabou.

Como muita gente não entendeu o texto do projeto, circularam e ainda circulam uma série de boatos nos ambientes de cinema. Alguns dizem que determinado item do Projeto proíbe que a mesma pessoa faça mais de duas funções num filme. Assim, os cineastas que são ao mesmo tempo roteiristas, fotógrafos e montadores não poderiam mais continuar seus trabalhos, porque inclusive estariam tomando o lugar de outros. O boato, totalmente infundado, atingiu logo Candeias, o exemplo mais notório de homem-equipe em São Paulo: em "A Opção", como em "A Margem", ele faz tudo, desde o campo de filmagem até o estúdio de som.

– Claro que eu acompanho todo esse barulho em torno da Lei do Artista, mas logo percebi que não iria me afetar diretamente. O advogado do Sindicato de Diversões, agora já confundido com Sindicato dos Técnicos de Cinema, deu uma explicação até correta: o que a Lei não permite é que o sujeito acumule mais de duas funções concomitantemente. Isso quer dizer que, durante as filmagens, nada me impede de ser diretor e fotógrafo. Da mesma forma, durante a sonorização, posso dirigir a dublagem e dublar, se me interessar.

– O que eu acho interessante nessa Lei do Artista é que ela está desagradando a todos, aos produtores e aos técnicos. Eu não esperava que acontecesse o contrário, pois muita gente se ilude com o sucesso passageiro de alguns filmes do Cinemão e esquece que o cinema brasileiro ainda não é uma indústria no seu todo. A Lei vai bem para a televisão, que tem uma estrutura montada e para o pessoal de teatro. Para o cinema, a Lei não está com nada, precisa ser adaptada e tudo mais. Estão querendo passar o carro na frente dos bois. Eu acho que é dessa anarquia que existe aqui na Boca do Lixo que sai um bom técnico. Mas isso vai acabar, termina sendo uma repressão ao talento.

Quanto à "Opção", um filme em branco e preto numa época em que só se admitem filmes coloridos, Candeias não gosta de falar muito:

– Por enquanto tenho apenas uma meia hora de material filmado. É a história de uma mulher, ou melhor, várias, que vêm do Interior para tentar a vida na grande cidade. Elas são atraídas pelos carros, começam a ver que tudo é muito difícil, uma delas apela mesmo para a luta livre, uma forma de ganhar a vida como qualquer outra.

Tudo isto visto de uma ótica meio feminista. É um problema que eu conheço bem, coisas que vi na região sudoeste. São praticamente os mesmos personagens que já apareceram em outros filmes meus, gente humilde e sem perspectiva nenhuma. Desta vez eles terminam todos nivelados, dançando num forró.

Embora as filmagens estejam interrompidas, Candeias não demonstra grandes preocupações. Não é a primeira vez que ele interrompe um filme e vai trabalhar, como fotógrafo e iluminador ou mesmo ator, nos filmes de seus colegas da Boca do Lixo. Ele aprendeu a se adaptar sem se acomodar, e por exemplo, se os atores que aparecem de barba rala tiverem que voltar à cena de barba comprida, não tem problema nenhum: Candeias improvisa, modifica ligeiramente a história e tudo termina bem, porém de forma imprevisível. Aí então começa uma nova luta, a de tentar exibir o filme. Mas essa já é uma outra história.

(Folha de S. Paulo, 13 de junho de 1978)

Candeias: Malfalada ou esquecida, a Boca do Lixo está sumindo

"Boca do Lixo/Cinema – 31/12/76" é o último trabalho de Ozualdo "A Margem" Candeias, um dos cineastas mais representativos do cinema que se faz em São Paulo, isto é, na rua do Triunfo, e o único que, nos últimos dez anos, assumiu todos os riscos de fazer um cinema fora dos padrões normais em termos de produção e estética cinematográfica. Sobre esse filme, que deverá ser exibido brevemente como complemento nos cinemas, o cineasta se manifesta com modéstia:

– A coisa começou no fim do ano passado, quando todo pessoal aqui da Boca resolveu dar uma festa, que eu terminei coordenando, pois alguém tinha que se desincumbir disso. O negócio foi importante porque participaram distribuidoras, exibidores, produtores, atores, técnicos e, por fim, até a fauna local e muitos bicões. Levantou-se uma boa importância em dinheiro para garantir os comes-e-bebes e a turma foi se avolumando de tal forma que a rua precisou ser interditada. Compareceram policiais do DSV e foi montado um palanque no meio da rua. Aí eu resolvi começar a filmar, pois achei que aquilo tudo merecia uma reportagem. Usei pontas de filme, sobras e tudo que pudesse imprimir e o resultado aí está: um documentário que registra o maior encontro do pessoal de cinema, feito com as condições que surgiram no momento.


Tentando valorizar a arquitetura antiga (como nesta sua colagem)...

Com dez minutos de duração, o filme é uma espécie de "quem é quem" no cinema paulista, narrado em tom de ironia, pois seria ridículo realizar um documentário sobre o Lixão cinematográfico usando o tom convencional dos filmes oficiais. Daí a autenticidade do trabalho, que tem curiosidades desde já antológicas: o diretor Cláudio Cunha ("Snuff – Vítimas do Prazer") lutando capoeira com surpreendente agilidade; críticos de cinema, que muitos consideram "elitistas", perfeitamente misturados aos técnicos e figurantes de cinema; Borba Vita, presidente do Sindicato dos Exibidores, saindo da seriedade e caindo no samba.

A partir desse filme, a Boca do Lixo começou a "ganhar" força: elementos ligados aos sindicatos garantiam que, até o fim deste ano, a Emurb começaria a implantar um projeto para transformar a rua do triunfo em área de lazer, com calçadões e estrelinhas à maneira de uma Hollywood cabocla, com nomes de atrizes e atores espalhados pelo chão. Mas essa força logo se dissipou. Candeias tem uma explicação para isso:

– As autoridades não gostam do nome que o pedaço tem: eles acham que Boca do Lixo é um nome muito feio e, na certa, confundem a má fama do local com a outra má fama que o cinema tem, sei lá. E então o que se v~e o seguinte: ao invés de transformar a rua em área de lazer, as autoridades estão restringindo o que havia. Tiraram até o estacionamento que se tinha na rua do triunfo. Era proibido parar do lado direito. Agora é proibido também do lado esquerdo. E isso é um abuso, pois essa rua não tem tanto movimento assim: poderia ficar muito bem com o estacionamento de um lado, que não iria prejudicar o trânsito.

Embora a Boca do Lixo seja incontestavelmente a capital do cinema paulista, nunca foram tomadas medidas para preservar a área. Candeias cita um exemplo bastante expressivo:

– Recentemente eu fiz uma série de fotos da rua do Triunfo, mostrando os casarões antigos que existem por aqui. Mandei as fotos para um concurso do Museu da Imagem e do Som, chamado Patrimônio Histórico ou coisa assim e que agora está na estação São Bento do Metrô, se não me engano. Mas as minhas fotos nem sequer foram selecionadas, o que demonstra que ninguém se interessou pelo pelo que eu estava propondo e que é o seguinte: com base nessas fotos – que em termos de arquitetura mostram algumas obras-primas na rua do Triunfo, quer dizer, "no meio do lixo" – eu propunha o aproveitamento desses prédios antigos pelas repartições federais e estaduais. Isso serviria para concentrar os serviços de cinema num local só.

Um dos casarões antigos da rua do Triunfo foi parcialmente destruído há alguns meses e transformado em supermercado. Para Candeias, esse é o primeiro sinal de uma demolição geral, que brevemente poderá desfigurar a aparência do lugar. Mas ele acha que esse fato vem apenas confirmar uma tendência bastante antiga: as autoridades não dão apoio ao cinema nacional:

– A indústria de cinema anda completamente desprestigiada. Isso entre nós, pois nos Estados Unidos, pelo que andei lendo na revista "American Films" do mês de junho, o cinema americano conseguiu um incentivo fiscal através do projeto de um senador. Ora, poderia se dizer que eles já são bastante ricos e não precisam disso, mas nós que estamos lutando pela afirmação de nossa produção ainda temos que pagar impostos ao governo.

Apesar das dificuldades, injustiças e descasos que ameaçam a sobrevivência do cinema em são Paulo, Ozualdo Candeias continua desenvolvendo, embora precariamente, uma série de trabalhos paralelos à produção cinematográfica. Fotografou, nos últimos três anos, todos os cineastas que passaram pela Boca do Lixo: diretores, atores, atrizes, técnicos.

– Já andaram dizendo que eu fiz um almanaque de cinema e tudo o mais. Eu não sei se é almanaque ou enciclopédia. O fato é que reuni dados sobre quase todo pessoal de cinema, pedindo a cada um que me respondesse um questionário, o que não foi fácil, pois tem gente que não tinha a mínima idéia da coisa. Achavam que eu ia fazer sei lá o quê com a ficha deles, o que é bem típico aqui da Boca. Mas por outro lado tive um bom incentivo do pessoal que estuda cinema em escolas ou de jornalistas que gostaram da idéia, pois é uma espécie de almanaque que poderá servir de consulta, ou seja, o tipo de trabalho que deveria ser feito não por mim, mas pelos órgãos especializados do Ministério da Educação e outras entidades oficiais. Mas deixa isso pra lá. O fato é que a coisa já está em andamento: vai ser editado por Minami Keizi, da "Cinema em Close Up" e isso não pára aí, pois o mesmo editor já se interessou por um livro do Máximo Barro, chamado "A Primeira Sessão de cinema", sobre o cinema em São Paulo, e ainda um livro do Eduardo Llorente, com verbetes sobre o pessoal de cinema.

Considerado "o último dos marginais", ou um "marginal entre os marginais", Candeias já está com um roteiro pronto para seu próximo longa-metragem, que será realizado em branco e preto, contrariando os padrões vigentes, utilizando o mínimo de recursos e "fazendo das tripas coração".

– O pessoal que trabalha comigo já sabe que as minhas condições são precárias e, por isso, não esperam muita coisa. Os atores são principiantes e fazem um papel na medida em que se adaptem às exigências do personagem. O assunto é o mesmo dos outros filmes que fiz: marginalidade, profissões humildes, coisas que o homem fazia e agora é a mulher que vem fazendo, profissões não muito conhecidas. É a história de uma mulher que viviam com a família pobre no interior e descobre que as pessoas que andam de carro são bem nutridas. Então resolve vir para São Paulo. Uma grande parte da ação acontece em beira de estrada, um negócio que eu conheço bem e o filme terminará sendo uma espécie de documentação social. Devo começar a filmar nesses dias, mas por enquanto ainda não tem título. Isso é a última coisa que me preocupa.

Jairo Ferreira
(Folha de S. Paulo, 22 de julho de 1977)

Apresentação ou "O negócio é experimentar"

Conheci o Jairo em janeiro de 2000, creio. Na época eu morava no Rio e escrevia na Contracampo e estava preparando uma pauta bem ambiciosa sobre os 10 melhores filmes brasileiros. A gente consultou mais de 100 pessoas (críticos, cineastas, etc.) sobre seus filmes favoritos, os que mais os marcaram. Eu queria conhecer o Jairo a um bom tempo, então a pauta na verdade foi mais um pretexto. Conversamos por telefone longamente: ele andava meio esquecido, os filmes de que ele gostava eram ainda mais obscuros do que antes, e ele ficou um tanto surpreso que eu (com 23 anos) conhecesse o trabalho dele razoavelmente bem, que o procurasse pra falar de cinema. Foi a primeira de muitas (menos do que gostaria) conversas com Jairo.

Na verdade, conheci o Jairo um pouco antes, na biblioteca do CCBB do Rio. A primeira edição de "Cinema de Invenção" (Max Limonad, 1986) estava fora de catálogo desde um bom tempo e este era o único meio de pôr as mãos no livro. Eu lie reli o livro na biblioteca, mas naquela época eles ainda tinham uma sala de xerox, de modo que era possível copiar um número – pequeno – de páginas. Então, a cada ida ao CCBB para ver o Boudu do Renoir, Sangue Mineiro ou Pacto Sinistro significava também um ou dois capítulos do livro em casa.

Muitas coisas me fascinavam – e ainda fascinam – no "Cinema de Invenção". Tinha, claro, os filmes e cineastas de que tratava: onde mais conseguiria boa informação sobre Sganzerla, Bressane, Carlão, etc.? Outra parte dos filmes (A Margem, O Pornógrafo, A$$untina das Amérikas) eram um tesouro intangível, longe dos olhos. A curiosidade era enorme, sentimento que as fotografias e a ótima edição só reforçavam: era preciso ver aqueles filmes!

Hoje pode parecer um pouco estranho, mas até poucos anos atrás o cinema de invenção não fazia parte do default (como diz o Remier Lion) dos cinéfilos e críticos, mesmo os mais radicais). Em São Paulo ainda era possível conhecer algo de Candeias, por exemplo, mas no Rio era impossível. Em poucos anos as coisas mudaram um pouco, não muito. Não sei se as mostras de Cinema Marginal e a reedição de "Cinema de Invenção" (Limiar, 2000) são causa ou efeito disto.

Mas, voltando ao fio da meada, o que mais me intrigava no livro era a maneira de abordar e descrever seu objeto: não como mero tema, mas algo mais profundo, como base mesmo de uma escrita também de invenção. Como crítico, Jairo não tinha na capacidade de argumentar a sua maior virtude; ao mesmo tempo seu texto tinha uma força – ao menos para mim – evidente e "da evidência". De alguma maneira então meio misteriosa, era possível vislumbrar os filmes de que Jairo falava. Ou antes: os filmes tais como ele os via – e eles eram magníficos.

O Jairo gostava de falar em cinevida, de um "mimetismo total entre criação & vivência". De fato, o cinema era a vida dele. Dito assim, pode parecer um clichê. Não é: basta ler seus textos. Por isso digo que o conheci muito antes de termos conversado pela primeira vez.

Nessa época o Jairo preparava – animadíssimo – a reedição do "Cinema de Invenção". Pensamos até em fazer uma mostra, como havia sido feita quando o livro fora originalmente lançado (salvo engano, "Semana do Cinema de Invenção" no MIS-SP).

Mas ao mesmo tempo ele já estava um tanto debilitado. Não apenas pelos anos de abuso de alcóol & drogas: talvez muito mais pela vida.O retrato disto era seu pequeno apartamento no Glicério: a cada visita, parecia mais deteriorado. Uma vez, o telefone havia sido cortado; depois, a luz; em seguida, móveis, e até janela e fechadura da porta foram-se. Ele começava a se auto-destruir, mas fingia curtir a situação: dizia-se kavernista. Parecia querer desfazer-se de tudo, mesmo seus livros.

(Foi assim que consegui, por acaso, um exemplar da primeira edição do "Cinema de Invenção": a que ele vendera ao sebo em frente ao Espaço Unibanco.)

Ele vivia com a ajuda da família e dos amigos mais generosos – Carlão Reichenbach e Inácio Araujo, desde sempre, e mais recentemente Paulo Sacramento, Paulo Gregori, Guiomar Ramos, Mônica Rennó – que faziam as compras no supermercado e pagavam as contas na hora do aperto. O Jairo tinha se especializado em comer de madrugada em restaurantes, pizzarias e botequins sem um tostão no bolso. O Inácio tem estórias geniais a respeito, algumas passadas em delegacias.

O maior elogio que eu poderia fazer ao Jairo é que ele era a pessoa mais desprotegida que eu conheci. Digo isto muito menos como vitimização do que para reforçar uma, digamos, abertura para as coisas e pessoas. Talvez esta tenha sido, em parte, sua desgraça, mas ele era assim mesmo: sem armaduras, sem concessões, generoso, incapaz de atitudes calculadas demais.

De vez em quando o Jairo gostava de dizer que eu seria seu sucessor na crítica de cinema. Ele sentia-se contente em trocar idéias comigo, com minhas perguntas. Achava também a Contracampo o que de melhor havia em crítica aqui no Brasil. Elogiava muito o Ruy Gardnier, mas achava seu texto um pouco acadêmico (no que discordo). Também acho que ele estava equivocado quanto a mim: digamos que temos (eu e Jairo) personalidades muito diferentes, talentos idem. No mais, como disse o
Inácio, eu acho que não há mais lugar para o cinema que um Candeias fazia, como não há para a crítica do Jairo. Infelizmente.

Em nossas conversas, volta e meia o Jairo me dava pastas com uma série de documentos seus: roteiros, alguns poucos artigos do São Paulo Shimbun, cromos, uma cópia datilografada de "Só Por Hoje", livro autobiográfico que escrevera. Ele queria que eu lesse seus textos mais antigos e raros. Mas eu desconfio que ele pensava que eu poderia dar um bom uso aquele material. Durante um tempo nós dois cogitamos preparar uma coletânea de seus textos no Shimbun (o que o Alessandro Gamo fez maravilhosamente bem recentemente). Depois disto, eu fui pesquisando e acumulando outros materiais raros: uma cópia da primeira e única edição da Cinegrafia (revista que o Jairo editou com o Carlão e o Inácio em 71), um número razoável de artigos da Folha, do Shimbun, etc.

Este blogue nasce da vontade de compartilhar estes textos. Talvez algum dia a idéia tome um outro formato (mais nobre?), um livro quem sabe. Mas, como diria o genial Zé Trindade: o negócio é experimentar. E ver no que dá. A única coisa que de fato espero é conseguir manter alguma regularidade nas atualizações.

No mais, como diria o Jairo: em êxtase – e por que não? – perante a função humana, dou este blogue por iniciado.